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Além das chupetas, fraldas e leite | Revista Afrodite

Além das chupetas e fraldas

Assumir as tarefas de mãe em tempo integral ou voltar ao trabalho e deixar o filho aos cuidados de terceiros? A resposta certa é: respeitar a opção de cada uma. Porém, há um longo caminho para que possam ser rompidos os estereótipos e a romantização da maternidade, ainda muito presentes em nossa sociedade. Exercer os direitos conquistados é o primeiro passo para percorrê-lo e ser a mulher, a amiga, a profissional e também a mãe que você quiser

Elas são mães. Sim, mas não apenas mães. Antes de exercerem a maternidade já eram psicólogas, engenheiras, enfermeiras, administradoras, comerciantes... apesar de nem sempre serem vistas assim. Por muito tempo, o determinismo biológico ditou uma série de comportamentos sociais: “se você nasce mulher, precisa ser mãe. Quando se torna mãe, não pode ser mais do que isso.” Psicóloga e sexóloga, Carine Viezzer explica que esse pensamento direcionava as mulheres a um único destino: o de ser mãe. “A maternidade era compreendida como uma construção social, que designava o lugar das mulheres na família e na sociedade, sendo a causa principal da dominação do sexo masculino sobre o feminino”, avalia.
A partir dos anos 1960, com a popularização da pílula anticoncepcional, as mulheres passaram a enxergar novas possibilidades e, até mesmo, exercer um pequeno poder de escolha sobre o próprio corpo. Atrelado a isso, o movimento feminista ampliou o debate sobre empoderamento, liberdade e autonomia do público feminino, e aqui é preciso chamar atenção para uma verdade muitas vezes distorcida: não se trata de exclusão ou segregação, até porque maternidade e feminismo não estão em lados opostos – ou não deveriam estar. Pelo contrário, ambos carregam sentimentos invisíveis, muitas vezes, para as próprias mulheres, como explica a psicóloga Mariana Balardin. “A essência do feminismo fala sobre igualdade e considera as singularidades, fala sobre dar voz às dores relacionadas ao gênero que são negadas pela sociedade. É lutar por direitos e abrir espaço para necessidades que são negligenciadas. E a maternidade precisa muito disso”, destaca.
Ser mãe vai muito além de escolher as roupinhas do bebê ou a decoração da festa infantil, é mais do que falar sobre a melhor marca de chupeta, fralda ou leite. “As mulheres não querem ser apenas mães. E, às vezes, nem querem ser mães. Novas possibilidades foram conquistadas, mas geralmente a ‘conta não fecha’, porque essas possibilidades muitas vezes não são validadas e amparadas pelas famílias e pela sociedade”, observa Mariana. Pode parecer repetitivo, mas a maternidade não anula, necessariamente, outros papéis. As recentes discussões sobre o tema levam a entender que, muitas vezes, numa mesma mulher pode existir o desejo de ter mais momentos na rotina com os filhos, e também se desenvolver em outras áreas da vida.
Ao mesmo tempo em que não se precisa mais viver exclusivamente para cuidar dos filhos, essa ainda pode ser uma opção genuína. Não há nada de errado em querer voltar ao trabalho, por exemplo, logo após o nascimento do bebê, mesmo que isso implique em colocar uma criança com poucos meses de idade na creche. Da mesma forma, mulheres têm todo o direito de exercer esse cuidado por quanto tempo quiserem – poder ficar em casa é, em muitos casos, um privilégio para as mães.
A linha é realmente tênue, mas o importante é que a singularidade da mulher seja respeitada, independentemente de julgamentos e regras sociais. “A forma como cada uma perceberá e viverá a maternidade é um conjunto do que é recebido emocionalmente, interpretado e construído a partir de crenças e comportamentos que fazem sentido para cada uma. Os estereótipos são tentativas ‘tortas’ de garantir que necessidades emocionais sejam atendidas”, aponta Mariana. Uma coisa é certa: ninguém é mais ou menos mãe por fazer as suas escolhas. Seja qual for o caminho escolhido, é preciso saber que está tudo bem!

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A HORA PARA SER MÃE
Quantas vezes já ouvimos que uma mulher era nova demais ou muito velha para engravidar? Quantas vezes aquelas que não desejam ser mães foram chamadas de egoístas e sofreram pressão das pessoas? O relógio biológico das mães é uma construção social, da mesma forma que a mãe perfeita e completamente satisfeita é um mito. Nada disso existe, tudo é socialização, entendem as especialistas. “A romantização da maternidade é construída num cenário de fantasia, onde tende-se a acreditar em um dom divino, que mulheres precisam reproduzir e só vão encontrar a felicidade depois de serem mães”, destaca Carine.
Para as especialistas, a maternidade não é um processo natural, mas de construção e, durante essa evolução, novamente, as individualidades de cada mulher precisam ser consideradas. “É muito difícil se permitir pensar e sentir a maternidade sem validação e apoio de pessoas próximas, independentemente do contexto e das nossas escolhas. Costumo dizer que quando uma mulher se torna mãe ela literalmente é virada do avesso e passa a visitar, mesmo sem se dar conta, as suas relações de cuidado, dores, traumas e crenças”, avalia Mariana.
É preciso ter em mente ainda que os desgastes físicos e emocionais, por mais previsíveis que sejam, nunca ocorrem igual para cada mãe. Todas são seres diferentes e cada uma tem sua maneira de enxergar e lidar com os fatos. É por isso que dizem que ninguém nasce mãe, mas se torna mãe. “Sou muito favorável à ideia de formação pessoal e acredito ainda que a mesma lógica vale ao contrário: nenhuma mulher deixa de ser única, com vontades e gostos próprios, por ser mãe. A diferença é que todos os sentimentos da vida, bons ou ruins, passam também a ser propagados no campo materno”, enfatiza a psicóloga.

APOIO FÍSICO, EMOCIONAL E MENTAL
O autocuidado e momentos individuais e de lazer também têm importância fundamental no processo, acreditam as profissionais. Ou seja, tirar um tempo para si não significa parar de ser mãe, mesmo que nem sempre esse hiato seja fácil. Na prática, existem inúmeras variantes, mas conseguir fazer uma divisão nos cuidados com os filhos é essencial. “Assim como temos mais mães em casa, temos mais pais também. A mulher não pode comprar essa ideia de que vai dar conta de tudo, ela precisa se sentir segura e entender que não está sozinha”, avalia Carine.
Além disso, a pandemia Covid-19 escancarou uma realidade ainda mais gritante no Brasil. Cerca de 11,5 milhões de mulheres no país são mães solo e carregam a responsabilidade de chefiar sozinhas a própria família. São mulheres que passaram não somente a enfrentar instabilidades financeiras, mas que têm ficado muito mais tempo em casa e acumulado tarefas devido ao fechamento de escolas e creches, por exemplo. “As mães solo também devem se permitir entender que a pandemia e, consequentemente, o isolamento social afetam diretamente nossa saúde mental. É o momento de nos acolhermos e, por isso, a rede de apoio é tão importante”, pontua Carine.
Muitas mães tendem a buscar ajuda somente quando se sentem sobrecarregadas ao extremo. Por isso, as psicólogas indicam o desenvolvimento de relações com familiares, amigos, outras mães e até mesmo o auxílio de um profissional. “É possível encontrar ou construir vínculos seguros, porque essa é uma necessidade de todas. E está tudo bem também se sentir assim, inclusive quando cansamos diante daquilo que nós mesmas escolhemos. Cansa mesmo. Existe amor... amar também cansa e precisamos nos reabastecer”, orienta Mariana.
Já que o contato físico segue restrito, uma das práticas recomendadas para as mulheres que não conseguem desligar o “piloto automático” da maternidade é o mindfulness. Caracterizada pela atenção plena ao momento, focada no aqui e agora, a atividade busca desenvolver uma capacidade natural do ser humano: a de se tornar uma pessoa mais consciente, assertiva e menos crítica consigo mesma. Quando a próxima tarefa já está pulsando à sua frente antes mesmo de você terminar a anterior, é preciso desacelerar a rotina, diminuir impulsos e criar um ambiente propício para "ser" mais, ao invés de sempre "fazer" mais. Mariana explica que estar atenta ao presente traz benefícios para a saúde mental. O mindfulness pode, inclusive, mudar a estrutura do cérebro, reduzir o estresse, a ansiedade e até os níveis de insulina em diabéticos. “Busque o autocuidado e formas de lazer e prazer dentro da sua realidade e necessidade. Permita-se pequenos mimos e também resgatar a criança dentro de você que sabe se divertir.”

Hora de relaxar, mamães!
Que tal investir em hábitos de lazer simples? Separamos alguns conteúdos que falam sobre a vida das mulheres – sejam mães ou não – de forma leve e realista para você se informar e se divertir.
 

PARA LER
Eu não nasci mãe: ninguém nasce sabendo ser mãe ou pai. Muitas vezes é preciso desaprender para aprender. Com essa ideia, a autora Lua Barros expõe os modelos de parentalidade e os sentimentos de culpa e medo que, inevitavelmente, surgem em diversos momentos na vida dos pais.


Mãe fora da caixa: mais do que relatar vivências maternas, o objetivo do livro é quebrar com pré-conceitos, incentivar que mulheres sonhem, se reinventem e vivam a maternidade de forma leve, prazerosa, sem críticas, regras e julgamentos. Sororidade é palavra-chave para essas mães.


Mulheres que correm com lobos: a autora utiliza 19 lendas e histórias antigas, entre elas as do Barba-Azul e Patinho Feio, para identificar padrões da mulher selvagem e a essência da alma feminina ao longo dos anos. O resgate cultural surge como forma de auxílio às leitoras que buscam a própria liberdade pessoal.
PARA ASSISTIR
Quando a vida acontece: um casal com dificuldades para engravidar conhece uma família com a “vida perfeita”. Uma reflexão sobre a idealização da rotina com filhos.


Como nossos pais: um filme brasileiro que mostra os desafios de uma mãe de família ao tentar equilibrar casamento, vida profissional e criação das filhas.


Tully: a personagem Marlo é mãe de três filhos, sendo um recém-nascido. Para ajudar a cuidar das crianças, ela ganha de presente uma babá. O filme retrata uma relação sensível às alegrias e dores da maternidade.
PARA MARATONAR
Turma do peito: com proposta semelhante à Supermães, o enredo australiano traz histórias de um grupo de mães de primeira viagem que divide as dores e os prazeres do novo momento. Amamentação, sexo pós-parto e a importância da rede de apoio entram em pauta.


Supermães: produção canadense que conta a história de quatro personagens após a licença maternidade. Mais do que uma série com nome clichê, são expostos temas pouco lembrados sobre a vida materna de uma forma divertida.

Mãe só tem duas: duas mulheres descobrem que seus bebês foram trocados na maternidade. A narrativa rompe com a rivalidade feminina ao aproximar mulheres muito diferentes, que decidem se unir para criar suas filhas em uma só família.

PARA OUVIR
Maria vai com as outras: por meio de entrevistas se discute a relação da mulher com o trabalho, saúde emocional, vínculos afetivos e muito mais. Apresentado por Branca Vianna.

A mãe é que sabe: um podcast idealizado pelas xarás Joana Paixão Brás e Joana Gama. A proposta é falar de tudo, menos de maternidade, mesmo que às vezes seja difícil. 

Matéria por Karine Zanardi dos Santos