As pessoas precisam se alimentar melhor. Quantas vezes você já ouviu essa afirmação e quantas outras já tentou impor hábitos alimentares na sua rotina? Muito mais do que representar uma obrigatoriedade, comer bem é uma necessidade e serve como combustível para o funcionamento do corpo. Consumir frutas, vegetais, ovos, carnes magras, oleaginosas e carboidratos integrais diariamente é a dica usual, assim como optar por pratos coloridos, evitar a monotonia dos nutrientes ingeridos e equilibrar as refeições. Sim, isso tudo exige muito da nossa atenção no momento de escolher cada alimento que vai para a mesa.
Mas, afinal, é possível desenvolver práticas saudáveis e se alimentar melhor? A resposta é sim, e tudo começa pelo que você coloca no carrinho do supermercado. Prestar atenção aos rótulos das embalagens e saber o que cada informação significa é mais importante do que você imagina, um hábito fundamental para escolhas mais conscientes. Por isso, a primeira dica é evitar fazer compras com pressa. Muitas vezes, aproveitamos o intervalo do trabalho ou o final de um longo dia de compromissos, ou seja, a ida ao mercado nem sempre é planejada e, quando a ordem é perder o menor tempo possível na fila, quem vai dar atenção às “letras miúdas” dos pacotes? Mas deveria. A nutricionista Clarisse Zanette explica que a citação dos componentes na tabela nutricional sempre inicia da maior para a menor quantidade, assim como a ordem dos ingredientes, e, portanto, é preciso evitar aqueles produtos nos quais açúcar, sódio e gorduras saturadas são os primeiros da lista.
Observar os índices é tão importante que, para facilitar a compreensão deles, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou recentemente mudanças na rotulagem de alimentos embalados, determinando que as indicações apareçam na parte frontal dos produtos. As embalagens ainda passarão a ter o desenho de uma lupa, símbolo que indicará a concentração justamente das três substâncias citadas por Clarisse (açúcares adicionados, gorduras saturadas e sal) que, se ingeridas em excesso, fazem mal à saúde. A tabela nutricional, por sua vez, deverá aparecer com letras pretas em fundo branco, para auxiliar na leitura, estar próxima da lista de ingredientes e, além de indicar os açúcares totais e adicionais, apresentar o valor energético e nutricional do alimento.
Publicadas no Diário Oficial da União em outubro de 2020, as novas especificações devem entrar em vigor num prazo de 24 meses. Porém deve demorar ainda mais tempo para vermos essas mudanças nas prateleiras, já que a partir da data final de adequação às normas, em outubro de 2022, os produtos que ainda estiverem disponíveis para a venda terão mais 12 meses para cumprir com a nova regra. O prazo para microempreendedores e agricultores familiares é ainda maior: 24 meses após a vigência inicial da norma, totalizando quatro anos. Já para bebidas não alcoólicas a resolução prevê mais 36 meses até o ajuste final. O intuito da Anvisa é evitar o desperdício e permitir que os alimentos sejam comercializados até o fim do seu prazo de validade.
DESCASCAR MAIS, DESEMBALAR MENOS
A expressão é unanimidade entre as especialistas. O “descasque mais e desembale menos” se tornou a regra número um dos profissionais da saúde quando o assunto é comer saudável. Optar pelo consumo de produtos in natura e, se possível, orgânicos é (e aparentemente sempre será) a principal maneira de nutrir o corpo. Nutróloga e oncologista, Daniela Kappes explica que a quantidade de vitaminas e minerais dos alimentos têm diminuído ao longo do tempo, grande parte disso pela escolha da produção e o uso excessivo de substâncias prejudiciais ao solo e às plantas. “Alimentos cultivados pela monocultura são mais pobres em nutrientes quando comparados aos orgânicos, por isso a indicação é sempre consumir o alimento em seu estado natural. No caso de carência de vitaminas e minerais é preciso ingerir suplementos, sempre com a orientação de um profissional de saúde.”
Em tempos de pandemia covid-19, o consumo de “comida de verdade” exige ainda mais esforços. Ao mesmo tempo em que muitas pessoas evitam sair de casa e, principalmente, frequentar mercados com um fluxo alto de clientes, o home office também não tem ajudado em planos alimentares mais regrados ao estimular a demanda por deliverys e o consumo de produtos industrializados. Com esse comportamento crescente, Clarisse alerta para a ingestão de química, corantes e conservantes. “São itens que devem ser evitados e, se consumidos, que sejam em pequena quantidade. Diante de uma pandemia, é importante ressaltar que uma alimentação saudável é essencial para o fortalecimento da imunidade. Evitar comidas prontas e industrializadas, planejar as refeições da semana com antecedência e organizar as compras são dicas que podem auxiliar a diminuir a química da alimentação do dia a dia.”
Veja também:
É possível viver sem dor
Terapias holísticas
A ONDA DOS TRANSGÊNICOS
O Brasil é o segundo país que mais produz alimentos transgênicos no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), cerca de 94% da soja e 84% do milho produzidos em território nacional são geneticamente modificados. Com uma porcentagem tão alta fica difícil não encontrar esses alimentos na prateleira do mercado, mesmo que indiretamente. A soja e o milho são utilizados, por exemplo, na alimentação de aves, suínos e bovinos, carnes que chegam diariamente à mesa dos brasileiros. Além disso, grande parte dos produtos ultraprocessados contém elementos transgênicos, como é o caso das bolachas, bolos e salgadinhos.
A transgenia é utilizada com o objetivo de melhorar a resistência, a qualidade e a quantidade dos alimentos produzidos, explica Clarisse, mas acaba trazendo consigo alguns riscos. “Ela pode aumentar a predisposição a alergias, a resistência a antibióticos e representa uma maior quantidade de agrotóxicos.” A dica da nutricionista é evitar o consumo de transgênicos e dar preferência aos alimentos orgânicos. Apesar dos riscos, o debate sobre os efeitos que esses produtos causam à saúde humana e animal ainda é recente. Não à toa, até mesmo a legislação do país diverge sobre a obrigatoriedade da identificação dos alimentos transgênicos: o símbolo formado por um triângulo amarelo com a letra T.
Atualmente, pelo menos duas discussões sobre o tema tramitam no Congresso Nacional. O projeto de lei (PL 4908), de abril de 2016, visa tornar obrigatória a inserção do selo indicativo nos rótulos de todos os alimentos transgênicos, alertando sobre a prejudicialidade dos produtos. Já o projeto de lei complementar (PLC 34/2015) tenta alterar a Lei de Biossegurança para que sejam rotulados apenas alimentos com mais de 1% de transgênicos em sua composição. Neste caso, a análise de transgenicidade seria feita apenas no produto final, já processado, o que dificultaria o reconhecimento da característica.
O Supremo Tribunal Federal é o órgão responsável por exigir a identificação da existência de organismos geneticamente modificados (OGMs). Os rótulos precisam, portanto, apresentar o símbolo de alimentos transgênicos, visto que a análise é feita na matéria-prima de cada produto. Um exemplo disso é o óleo de soja que, se feito com soja transgênica, deve estar devidamente sinalizado. Cabe ao consumidor estar atento às informações.
A ASCENDÊNCIA DA OBESIDADE NO PAÍS
Não é segredo para ninguém que grande parte dos casos de obesidade está ligada aos hábitos alimentares, somados à inatividade física. A população obesa acima de 20 anos no Brasil mais que dobrou entre 2003 e 2019, passando de 12,2% para 26,8%, como aponta a Pesquisa Nacional de Saúde 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período, a obesidade entre as mulheres subiu de 14,5% para 30,2%, e de 9,6% para 22,8% entre os homens.
Aliada à resistência à insulina, que resulta no aumento de açúcar no sangue, a obesidade é o gatilho para diversas outras comorbidades. “As doenças cardiovasculares e metabólicas, entre elas diabetes, síndrome do ovário policístico, endometriose, doenças degenerativas cerebrais, como o alzheimer e o parkinson, e autoimunes, como lúpus, artrite e nefrite; e até mesmo o câncer têm componentes desencadeados pela má alimentação”, explica a nutróloga.
ALIMENTAÇÃO, SAÚDE E... CÉREBRO
Daniela destaca também a conexão existente entre o sistema digestivo e o cérebro humano. Segundo ela, os neurotransmissores sofrem estímulos das células do intestino, órgão regulado pela microbiota que, se for patogênica resulta numa oscilação de transmissores que podem desencadear ansiedade, depressão e outros transtornos de humor, levando à alimentação compulsiva ou distúrbios nutricionais. “O ideal para o ser humano é a colonização de uma microbiota constituída de bactérias, fungos e leveduras que promovem a saúde da flora intestinal”. Além disso, a disbiose, ou seja, o desequilíbrio que reduz a capacidade de absorção dos nutrientes e causa carência de vitaminas, está atrelada a doenças intestinais, prisão de ventre e baixa imunidade.
A hidratação é outro fator decisivo que não pode ficar de fora da lista de hábitos saudáveis. O consumo de água é recomendado em qualquer fase da vida e também tem ligação com os estímulos corporais. “O centro da fome e da sede são muito próximos no cérebro e, muitas vezes, acabamos comendo porque achamos que estamos com fome. Manter o nível de hidratação do corpo ajuda na percepção correta desses sinais”, pontua Daniela.
Se o cérebro é o órgão comandante de todos os movimentos do corpo, então ele também precisa de tempo para processar algumas informações. Dessa forma, a mastigação é outro fator importante, já que a sensação de saciedade só ocorre em refeições de, no mínimo, 8 a 10 minutos. Rotinas cada vez mais aceleradas tendem a resultar em refeições rápidas e desorganizadas, assim, um momento que deveria ser de tranquilidade acaba se tornando algo desfavorável à saúde. É nesse contexto que movimentos como o mindful eating, caracterizado pela experiência de comer com atenção, têm ganho espaço no cenário atual. A prática incentiva uma alimentação consciente e leva à percepção de que o organismo precisa de tempo para as refeições.
A escolha por hábitos mais saudáveis começa na prateleira, mas se estende por todo o restante. “A alimentação é essencial, mas não vai funcionar sozinha. As atitudes precisam ser sinérgicas”, enfatiza a médica. A receita pode ser clichê, mas funciona: qualidade do sono, controle emocional, atividade física e tempo para o próprio corpo. Tudo precisa estar alinhado.
Por Karine Zanardi dos Santos