Por Cíntia Colombo
Foto Fabio Grison
Trabalhar muito, mas sempre com alegria. Esse é um dos segredos de um dos maiores empresários da Serra Gaúcha e do país, Lourenço Darcy Castellan. Descendente de italianos, vindo de uma família muito humilde, ele tinha ideias muito à frente de seu tempo, e conseguiu conquistar tudo – e muito mais – do que sempre almejou. Fazendo bom uso do dom que recebeu, a facilidade para aprender, “fazer contas” e se relacionar com as pessoas, fundou a fábrica de móveis Florense, que hoje é reconhecida em todo o país e também no exterior. Manteve a fé e auxiliou a comunidade atuando como presidente da Câmara de Vereadores em uma época em que o cargo não era remunerado. Enquanto crescia como empresário, oportunizou o crescimento de inúmeras pessoas e empresas, formou uma família e também construiu um castelo. Uma trajetória de vida curiosa e inspiradora que completou 90 anos no dia 24 de janeiro de 2020.
O início
Sexto entre 10 irmãos, Castellan nasceu em 1930, em Flores da Cunha, na casa da família. A mãe, Serafina Carpeggiani Castellan, além de cuidar da casa e de todos, lavava roupas para fora, e o pai, Antonio Castellan, trabalhava na Granja União, produtora de uvas viníferas, e onde o menino Lourenço começou sua vida profissional. Aos 11 anos iniciou como bócia, nome dado pelos imigrantes italianos ao servente que levava água para os trabalhadores.
Logo após conseguiu emprego na Ferraria & Carpintaria Olímpio Cavagnolli, que atuava também nas áreas de funilaria e marcenaria. Os serviços eram os mais diversos, desde a fabricação de móveis, cabines para caminhões, alambiques e ferramentas até canecas, lampiões, caixões e santos. Não havia energia elétrica, tudo era produzido artesanalmente. Assim, Castellan saía todos os dias às 4h da manhã de casa para chegar ao trabalho, percorrendo de tamanco cerca de um quilômetro. Aos poucos foi desenvolvendo as funções e buscava sempre aprender coisas novas e desafiadoras. “Deus me deu de presente o dom de fazer contas e de transmitir alegria. Tive muita força de vontade de vencer na vida, não achava nada difícil”, conta.
Empreendedorismo
No início de 1953, graças à sua habilidade com a madeira, foi convidado a trabalhar na fábrica de móveis e esquadrias de Claudino Nissola, primo de sua mãe. Poucos meses depois, em 18 de maio de 1953, acompanhado do cunhado Angelo Corradi e de outros dois sócios, Lourenço comprou a marcenaria e fundou a Fábrica de Móveis Florense. O cenário era um galpão de madeira de apenas 200 metros quadrados com piso de chão batido e algumas máquinas: uma plaina, uma desempenadeira, serra fita e circular.
Era especialista em fazer móveis no estilo chippendale e coloniais. Com a qualidade dos produtos e a honestidade do trabalho, adquiriu credibilidade e conquistou clientes como Francisco Stédile, Raul Randon, Pedro Bulla, Paulo Bellini e Ivo Tramontina. Naquela época, a confiança era um fator importante, já que o cliente pagava antecipadamente, permitindo que Castellan comprasse a matéria-
prima necessária para a fabricação.
Seguiu trabalhando incansavelmente, inclusive aos domingos, após ir à missa. Seguia de ônibus até a empresa, o dinheiro que ia conquistando, usava para investir no negócio. Foi adquirir o primeiro carro anos depois, por volta de 1956, um Austin.
Durante a década de 1960, com o objetivo de diversificar os negócios, manteve uma loja de bazar que comercializava os mais variados itens, como máqiuinas de costura, relógios e colchões.
66 ANOS DE FLORENSE
Lourenço na inauguração da máquina Lote 1 da fábrica de móveis
Família
Foi durante uma festa de São Pedro, padroeiro da comunidade, em 1948, que conheceu a futura esposa, Noemy Calzza. Utilizando o serviço de alto-falantes, que serviam para enviar recados durante os eventos, Lourenço, então com 18 anos, ofereceu à menina, que tinha 13, a música Rancho Grande, se identificando somente como um admirador secreto. Noemy comentava com a mãe que desconfiava que Lourenço mentia, pois já naquela época tinha projetos grandiosos de vida que ficavam parecendo “conversa fiada”. Casaram-se cinco anos depois, em 5 de dezembro de 1953, mesmo ano de fundação da Florense. Já são 66 anos de casamento e 73 desde que se conheceram. O casal tem três filhos, Eliana, Gelson e Leila, que fazem parte da segunda geração da Florense, quatro netas – Roberta, Isadora, Manuela e Virgínia – e um bisneto, Lorenzo.
Mesmo com uma rotina de dedicação ao trabalho, nos fins de semana o jovem procurava estar em casa com a família. Frequentava as festas de colônia pelo interior de Flores da Cunha e levava produtos da fábrica em consignação para serem colocados no rifão. Também promovia leilões dos produtos nesses encontros para auxiliar na arrecadação de fundos para as comunidades.
Inventava viagens em família, como a ida ao Rio de Janeiro com a mulher e os filhos, em 1967, a bordo do Simca Chambord. Em outras oportunidades, foram para Foz do Iguaçu e ao Paraná.
Crescimento
Em 1971, Castellan visitou a Itália pela primeira vez. Foi convidado a integrar uma comitiva de 10 empresários do setor moveleiro do Brasil. Num período de 29 dias, o grupo percorreu 12 países, visitando feiras e fábricas. O ponto alto da viagem foi o ótimo relacionamento que estabeleceu com um grupo de empresários italianos integrantes de um consórcio de fabricantes de máquinas para madeira (Coimal). Planejavam estabelecer uma fábrica de móveis modelo na Argentina, para demonstrar e disseminar suas máquinas na América Latina. Eles desenvolveriam o projeto completo da fábrica e forneceriam todo o maquinário.
Lourenço os convidou a visitarem o Brasil. Pouco tempo depois, recebia Antonio Capone, diretor comercial do consórcio, junto com outros dois produtores de máquinas. Graças ao prestígio pessoal de Castellan, ele e os empresários italianos foram recebidos pelo governador do Estado, pelos presidentes do Banco do Brasil, Banrisul e BRDE, pelo ministro da Indústria e Comércio e até pelo presidente da República, Emílio Garrastazu Médici.
Nessa época, a Florense já havia adquirido o terreno na entrada de Flores da Cunha para ampliar as atividades, mas a intenção de Castellan era importar apenas algumas máquinas. Porém, ao retornar à Itália para conhecer o protótipo de uma fábrica modelo, com todo o maquinário funcionando, foi recebido numa grande sala por todos os 18 membros do Coimal, que o surpreenderam com a apresentação do projeto de uma planta já identificada com a marca Florense. Por unanimidade, o grupo havia decidido que a fábrica modelo da América Latina seria implantada em Flores da Cunha.
“Não queria banco como intermediário, procurava fazer tudo com recursos próprios, então dei o maior peitaço da minha vida. Era um valor 11 vezes maior que o patrimônio que a empresa tinha, o que me gerou preocupação e tirou muitas noites de sono”, conta Castellan. O movimento foi acertado. O primeiro pavilhão no novo terreno foi construído e, no prazo de dois anos, o investimento estava quitado.
Em 1º de setembro de 1988, mais uma atitude visionária. A Florense implantou o sistema de franquias, passando a distribuir os produtos por meio de uma rede de lojas de prestação de serviços com tratamento especializado, que incluía projetos personalizados, instalação profissional e assistência técnica. Esse novo modelo mostrou excelentes resultados, tanto que passou a ser adotado também por outros fabricantes. Lourenço continua presidente da empresa, mas hoje deixa as principais atividades sob o comando de seus filhos, que desde cedo começaram a trabalhar com o pai.
Política
Presidente da Câmara de Vereadores em duas oportunidades, de 1966 a 1968 e entre 1971 e 1972, o empresário também presidiu a Arena, numa época em que só haviam dois partidos na cidade. Como tinha bom relacionamento com todos, saía pelo interior junto com o presidente do partido adversário para fazer campanha a bordo de um Fusca. Apesar de o cargo na Câmara não ser remunerado, Castellan se empenhava, poi queria auxiliar no desenvolvimento da cidade e ajudá-la a crescer. “Não interessa o partido, interessa colocar acima de qualquer coisa as necessidades do município”, afirma.
Anos depois, entre 1973 e 1977, também exerceu mandato como vice-prefeito, durante o governo de Raymundo Paviani.
COMEMORAÇÃO DE ANIVERSÁRIO
Lourenço e Noemy na festa de 90 anos do patriarca
Celebrar
Na festa que celebrou seus 90 anos de vida, uma estrutura especial foi erguida para receber cerca de 700 pessoas entre convidados e equipes de trabalho, na Vinícola Luiz Argenta. Mais do que comemorar a passagem do aniversário, o encontro serviu para reunir amigos e parceiros de trabalho, além de celebrar o privilégio de se ter uma família unida. Para o evento, o filho e a nora, Roberta, que moram no terreno onde ficava a casa onde Lourenço nasceu e cresceu, guardaram os pinhões do pinheiro centenário da propriedade, os quais foram assados e servidos na festa. Polenta brustolada, queijo serrano e pizza também fizeram parte do cardápio.
Refúgio
O sonho de construir um castelo teve início quando Castellan ainda era criança, após uma freira da Escola São José, onde cursou parte do primário, explicar a origem do seu sobrenome. Ela contou que na Itália, Castellan era quem habitava os castelos. A ideia o acompanhou ao longo dos anos e, da imaginação, foi se tornando um projeto.
A construção, inspirada em castelos que o empresário visitou na França, teve início em 30 de junho de 1979 e, após sete anos de obras, o sonho se tornou real. Nos quatro andares, há cinco cozinhas, 19 banheiros, capela, piscina, cantina e boate. São 750 metros cúbicos de madeira, telhas de cobre, vitrôs trazidos da Espanha, santos de cedro, janelas e portas de vidros facetados. Para finalizar, as iniciais LC no imenso portão de ferro da entrada.
Para que tudo saísse exatamente como idealizou, Castellan comprou uma pequena metalúrgica para fabricar as telhas de cobre, e montou uma marcenaria no interior do castelo. Outros detalhes foram feitos por pessoas contratadas, afinal ele sabia quem tinha o talento para fabricar cada parte. A mudança aconteceu no dia 22 de dezembro de 1985, e o esforço foi recompensado, já que um dos maiores prazeres de Castellan é, justamente, estar em casa. “Fiz de tudo para que quando chegasse a uma certa idade, minha casa fosse meu refúgio.”