Ele queria ser zoólogo, chegou a criar aranhas numa espécie de laboratório no porão de casa. Fez vestibular para Biologia, mas na hora de cursar resolveu trocar para Jornalismo. A verdade é que curiosidade e pesquisa sempre fizeram parte da vida deste documentarista que se encontrou na escrita e realização audiovisual. À frente da Transe Filmes, André Costantin é um dos responsáveis por colocar Caxias do Sul no mapa da produção audiovisual do interior do país, sendo pioneiro na cidade a se dedicar profissionalmente a trabalhos não-institucionais que registram a história e a cultura do Sul do Brasil. Durante uma década colaborou intensamente com o Núcleo de Programas Especiais da RBS TV e nos últimos anos vem conquistando espaços de abrangência nacional, com trabalhos como a extensa série Vento Sul, que apresenta personagens das migrações internas nacionais, exibida em TVs públicas brasileiras.
A referência do registro vem do pai que, embora fosse pedreiro, nos anos 1970 costumava gravar conversas dos “nonos” no interior e ouvir em casa. André iniciou Jornalismo na Unisinos e, depois de passar um ano fora se aventurando, concluiu o curso na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Trabalhou na antiga Folha de Hoje, no jornal Pioneiro – onde hoje é colunista – e durante experiência na TV Caxias percebeu que não queria ficar restrito à linguagem “empacotada” televisiva tradicional. Começou a exercitar outros formatos e, em 1999, iniciou com a Transe, “uma produtora do século passado”, diverte-se. O nome é uma homenagem ao Cinema Novo, do clássico filme Terra em Transe.
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Com mestrado na área de Letras e Literatura, pegou gosto pelo estudo etnográfico, antropológico e dos processos culturais, de modo que todos os trabalhos em que se envolve acabam tendo um diálogo com essas questões. Durante muitos anos atuou no Elementos Culturais da Imigração Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul (Ecirs), projeto ligado ao Instituto Memória Histórica e Cultural da UCS, onde percebeu que a maior parte das narrativas audiovisuais construídas até então eram basicamente de empresas. “A Transe foi, talvez, uma das primeiras a ter uma produção continuada de documentários, algo que não se fazia muito.”
Do primeiro experimento mais autoral, uma adaptação de uma poesia de Ítalo Balen, produzido sozinho e que acabou indo para um festival em Curitiba (PR), o diretor passou a desenvolver uma parceria que se fortaleceu ao longo do tempo com o fotógrafo e produtor executivo Daniel Herrera. “No início brincava com a contadora que a empresa era eu dentro do carro, não tinha endereço fixo.” Há cerca de quatro anos a Transe está sediada no histórico prédio do antigo Moinho Progresso, praticamente no centro da cidade.
Entrevista com o escritor Aldyr Garcia Schlee, criador da camisa canarinho da seleção brasileira de futebol, que morreu em novembro, para o Pampa Hypertropical (2017), à margem do rio Jaguarão / Foto Luiz Carlos Vaz
A aproximação com a RBS se deu a partir da inscrição de um roteiro no prêmio Curtas Gaúchos. O roteiro não passou pela comissão julgadora, mas o então diretor do Núcleo de Especiais, Gilberto Perin, ligou meses depois elogiando o trabalho e o sondando para dirigir "alguma coisa". A partir do convite para a direção de um episódio já escolhido da série Histórias Extraordinárias, Costantin sugeriu outra história, a do galo de Flores da Cunha, que acabou emplacando. Entre os trabalhos mais marcantes dessa fase de colaboração com a RBS estão a série Antártida e o episódio Aos olhos de Santa Bárbara, da série Guerra e Paz, que resgatou passagens do envolvimento gaúcho e caxiense na 2ª Guerra Mundial.
A série documental Vento Sul, que apresenta uma trama de olhares sobre as grandes migrações das áreas rurais para os centros urbanos, já exibida pelas TVs Brasil e Cultura, foi um salto para a produtora, fruto da vitória de um edital nacional da Agência Nacional do Cinema (Ancine) para a produção da maior série de 2017 destinada à rede de TVs públicas e educativas brasileiras. O maior desafio desse formato é justamente a captação de recurso, que se dá na base da ideia, do bom argumento e da qualidade artística do projeto. “Realizar o projeto em si é um desafio, mas é o melhor que há, porque aí você já está vendo o mundo”, conta. A grande satisfação do diretor, além de escrever, é estar na estrada e ver in loco aquilo que pesquisou e sonhou conhecer.
O prazer em redigir é tão grande que o sonho que vem sendo adiado é dar uma pausa e se dedicar a escrever algo mais seriamente. Entre os projetos atuais que estão na batalha há uma segunda edição, dessa vez nacional, de uma série sobre trabalho infantil, outra sobre as identidades regionais do brasileiro na relação com o cachorro – temos a segunda maior população mundial de cães, atrás apenas dos Estados Unidos – e outra ainda, em parceria com o também jornalista Nivaldo Pereira, que pretende investigar as brasilidades através da música. E está para estrear o já finalizado filme-documentário Pampa Hypertropical, que olha a região de fronteira gaúcha sob os filtros do samba e do futebol.
Quando não está trabalhando, Costantin gosta de pedalar com o grupo de mountain bike Farroupilhão e de acumular “relíquias”. “Cheguei à conclusão que estou doente e não quero me tratar, pois vejo valor em quase qualquer coisa, até num maço de fios de telefonia que encontro na rua.” Pai de Clarice, 12 anos, e da pequena Aurora, de dois anos e meio, também guarda um vínculo especial com a irmã mais velha de Clarice, Tábata, 18 anos, de quem foi padrasto.