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Pequenos tiranos, grandes problemas | Revista Afrodite

Pequenos tiranos, grandes problemas

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Crianças com baixa tolerância à frustração, que reagem com surtos de raiva diante da menor ameaça de não ter seus desejos atendidos, mandonas e que tentam (e conseguem) impor as regras da casa. Conheça a Síndrome do Imperador, que tem por trás pais permissivos ou superprotetores, que impedem o desenvolvimento integral das crianças, ajudando a formar adolescentes despreparados para a vida adulta.

Pais que dão escândalo com professores pelas notas baixas ou brigas dos filhos em sala de aula, que tentam facilitar a vida das crianças a todo custo, com o pretexto de não quererem vê-las sofrer ou serem vistos como “um pai/mãe não legal” estão criando pessoas incapazes de lidar com a frustação. São pequenos tiranos, que mandam em casa e que terão dificuldades em lidar com as situações naturais da vida. Essa é a Síndrome do Imperador, que afeta pais, filhos, escolas e a boa convivência em sociedade.

Psicoterapeuta mestre em psicologia educacional e do desenvolvimento humano pela Universidade de São Paulo (USP), Leo Fraiman explica que o fenômeno vem de uma loucura narcísica dos pais atuais, que acreditam precisar fazer o filho feliz a qualquer custo, sem se dar conta que acabam impedindo-o de desenvolver componentes vitais para a felicidade, como autonomia e capacidade de autorregulação interna. A situação é tão preocupante que, aproximadamente, metade das crianças e adolescentes que o especialista atende no consultório sofrem com o problema.

A origem do termo

A expressão Síndrome do Imperador não faz parte da classificação oficial dos manuais de psiquiatria, mas tem sido utilizada para se referir a um conjunto de comportamentos manifestados pela criança e/ou adolescente devido à falta de limites. A psicóloga mestre pela PUC-RS, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, Lissia Ana Basso, explica que uma das prováveis origens do termo está ligada à criação da política do filho único, implementada na China em 1979 para conter o crescimento populacional. Em consequência, criou-se uma geração sem irmãos, em um modelo 4-2-1, quatro avós e dois pais adorando uma criança, tornando-a o centro da família. “Cedendo a todas as suas demandas, regados a bens materiais, os filhos acabavam desenvolvendo uma baixíssima tolerância à frustração e dificuldades em desenvolver disciplina, empatia e disponibilidade para correr riscos”, comenta sobre a geração conhecida como “pequenos imperadores”.   

Em 2005, o psicólogo, pesquisador e criminologista espanhol Vicente Garrido publicou o livro Os filhos tiranos: a síndrome do imperador, que fala do trato agressivo dos menores de 18 anos para com os pais. No Brasil, o termo vem se referindo ao comportamento de filhos criados em ambientes com poucos limites e afeto adequados por parte dos cuidadores. 

Algo muito presente na nossa sociedade é uma geração que sofreu muito para ter suas necessidades básicas supridas na infância, que pode levar ao sentimento de não querer que os filhos passem pelos mesmos obstáculos.

Por que os pais agem assim?

Estabelecer limites firmes e claros é fundamental para o desenvolvimento saudável dos pequenos. Por que, então, alguns (ou muitos) adultos têm essa dificuldade? Lissia lembra que os pais são crianças que cresceram e que também podem ter passado por conflitos importantes para expressar adequadamente pensamentos, sentimentos e emoções, o que dificulta educar o outro. Algo muito presente na nossa sociedade é uma geração que sofreu muito para ter suas necessidades básicas supridas na infância, que pode levar ao sentimento de não querer que os filhos passem pelos mesmos obstáculos. Isso somado ao número menor de herdeiros – a opção pelo filho único é cada vez maior – torna essa criança a única depositária de todas as expectativas da família.

Medo da rejeição, da perda do amor do filho ou que ele fique zangado, estressado ou agressivo ao receber um ‘não’ também podem estar entre as motivações. “Para evitar o desconforto ou lidar com a falta de conhecimento nessas situações, ou ainda a culpa por ter provocado um sentimento ruim na criança, o pai opta por não se indispor, cedendo às vontades”, explica a especialista. Em resumo, alguns adultos acreditam estar prejudicando os menores ao lhes restringir algo, ou têm receio de ser rigorosos demais e, aí, pecam pela falta.

Outra situação frequente são pais que passam muito tempo fora de casa, trabalhando ou em outras atividades. Eles querem aliviar a culpa por não estar mais próximos fisicamente sem causar explosões emocionais no pouco tempo que têm juntos. É muito mais fácil dizer sim e dar o que a criança pede, mesmo que isso não seja o melhor para ela, do que ter que ensinar que nem sempre podemos ter tudo que queremos. Um narcisismo exagerado dos pais, ou seja, o predomínio de sentimentos de autoimportância, arrogância, superioridade e falta de empatia pode levá-los a tratar os filhos como se fossem melhores do que os outros, inflando os egos sem medida. Nas palavras de Fraiman, isso “aleija” a criança, já que não a ensina a ter recursos suficientes, por si mesma, para se acalmar, por exemplo. 

Possíveis consequências da falta de limites adequados

  • Crianças mandonas, que xingam os pais e definem como querem ser tratadas, escolhem a hora e o que vão comer, assistir na televisão, dormir, etc.
  • Adolescentes egocêntricos, que pensam que podem fazer tudo que querem, ou que se sentem inseguros e acreditam ser incapazes ao se deparar com as situações novas e desafiadoras.
  • Dificuldade de desenvolver habilidades sociais, como empatia, generosidade, cooperação e tolerância à frustração (receber ‘nãos’).
  • Problemas de relacionamento interpessoal na escola, na família, no trabalho e relacionamentos amorosos, como dependência, baixa interação e intransigência.
  • Manipulação e quebra de normas sociais, por entenderem que são especiais.
  • Tendência a dar mais valor a bens materiais e conquistas relacionadas a status.
  • Quadros de ansiedade, impulsividade, depressão, uso e abuso de substâncias psicoativas (álcool e drogas) e aumento de condutas de risco, como comportamentos automutiladores e suicídio.

Limites, para quê? 

Dar e ter limites nem tão rígidos e nem tão frouxos é vital para pais e filhos: ensinam que por mais difícil que seja lidar com as frustrações, elas serão frequentes ao longo da vida. “Ainda que nos esforcemos para atingir um objetivo, por mais que invistamos horas e mais horas para termos o que gostaríamos, às vezes não vamos conseguir, e tudo bem. Precisamos reconhecer e aprender a lidar com as nossas faltas e limitações, porque elas são muitas, e nem todas serão supridas ou superadas”, chama atenção a psicóloga. Claro que enfrentar limites é dolorido, ficamos com raiva, tristes e podemos achar injustos os resultados negativos, mas ao suportar isso, nos sentimos mais fortalecidos.

Quando as crianças não têm contato com frustrações, limites e regras ainda pequenas, enfrentarão muitas dificuldades na vida adulta, porque o mundo não estará a seus pés da mesma forma que seus pais as fizeram acreditar.

O resultado da falta de limites na infância irá depender do temperamento de cada indivíduo, ou seja, do componente genético (as tendências naturais de cada um), do ambiente social e também do modelo que os pais representam para seus descendentes. Todos temos necessidades básicas que devem ser nutridas na infância e ter limites realistas é uma delas. Por isso, a tarefa de criar os filhos é tão desafiadora, encontrar o equilíbrio não é fácil. Mas quando as crianças não têm contato com frustrações, limites e regras ainda pequenas, enfrentarão muitas dificuldades na vida adulta, porque o mundo não estará a seus pés da mesma forma que seus pais as fizeram acreditar.

Viver em sociedade nos impõe as tarefas de ceder, negociar e respeitar os desejos e necessidades dos outros. “Quantas vezes nas filas de lojas e supermercados nos deparamos com um adulto que não consegue aguardar sua vez, submetendo os funcionários e demais clientes às mais esdrúxulas demonstrações de insensatez: ‘Eu quero falar com o gerente dessa espelunca aqui’. É comum pensarmos, ‘nossa, parecia uma criança birrenta’. Não parecia, era a criança sem limites no corpo de um adulto, ‘pedindo’ mais uma vez por limites”, exemplifica Lissia. 

Nos casos mais extremos, quando família, escola e os demais ambientes e núcleos não deram conta de suprir essa necessidade, o limite possível pode acabar sendo o da Justiça. Egoísmo e baixa tolerância à frustração dificultam o desenvolvimento de habilidades sociais, o que pode levar a problemas nos relacionamentos interpessoais, além de sintomas patológicos de ansiedade, impulsividade e humor deprimido. As informações servem de alerta, mas não substituem a avaliação de um profissional de saúde mental. 

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Tecnologia X Frustração

Acalmar as birras ou o desconforto dos olhares de desaprovação em público dando um tablet ou smartphone para a criança não a ajuda a desenvolver a assertividade na regulação das emoções, e ainda passa a mensagem de que os pais são incapazes de suportar a frustração do filho, o que os pequenos aprendem rápido e usam a seu favor. O excesso de telas leva a hiperestimulação, a criança não se frustra nunca. “Ora, se nem os pais conseguem suportar pequenas frustrações, por que a criança haveria de conseguir? Quando está se sentindo irritada, seria importante que os pais pudessem acolher, amparar seu desconforto, fazendo contato visual, pegando no colo, nomeando a emoção que ela está sentindo e dizendo que não está sozinha”, ensina Lissia. Esse comportamento dos cuidadores, repetidamente, vai ensinando que a criança é capaz de aguentar uma dose moderada de sofrimento.

Estudos recentes têm revelado as consequências negativas do uso de tecnologias por tempo prolongado no desenvolvimento de crianças e adolescentes, como alterações comportamentais, menos interesse em aprender coisas novas, impaciência, humor deprimido, dificuldades para finalizar tarefas, prejuízos no sono, atraso no desenvolvimento e saúde ocular comprometida. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que menores de dois anos não tenham contato com telas e, entre dois e cinco, as utilizem uma hora por dia, no máximo.

Ajudando a criar adultos saudáveis

Não há receitas prontas, mas teorias modernas como a Terapia do Esquema ensinam que, para criar adultos saudáveis, necessidades emocionais básicas devem ser supridas adequadamente. Crianças precisam se sentir protegidas, seguras e pertencentes, sabendo que terão apoio caso surjam dificuldades. Necessitam também ser instruídas, receber afeto e serem estimuladas a desenvolver autonomia e independência, principalmente quando suas tentativas forem frustradas, ou seja, experimentando novas estratégias, por conta própria, em ambiente seguro. Lazer, atividades lúdicas e liberdade de expressão e da criatividade também são essenciais. Assim como regras e limites claros, explicados por pais e cuidadores quantas vezes forem necessárias, com paciência e compreensão das dificuldades de cada criança, sem extremos, permissividade demais ou rigor demais.

Como ser bons pais, cuidadores ou educadores

  • Cuide de si mesma da melhor maneira possível. As crianças tendem a repetir comportamentos através da observação e modelagem de seus pais e educadores.
  • Defina limites, regras claras e concisas, e ajude os pequenos a entender os motivos.
  • Seja coerente e procure se comportar de acordo com aquilo que quer ensinar. Busque coerência também com os demais adultos responsáveis pela educação da criança.
  • Monitore o tom e volume da voz ao falar com a criança. Se ela se sentir ameaçada, ficará difícil ocorrer o processo de aprendizagem.
  • Seja firme e consistente na aplicação das regras. Explique as consequências de certas ações e o motivo pelo qual foram definidas.
  • Estabeleça tarefas e certas responsabilidades de acordo com a idade da criança, como guardar brinquedos, arrumar a cama, ajudar a colocar ou tirar a mesa.
  • Ensine habilidades sociais de como enfrentar as mais diversas situações da vida.
  • Favoreça o desenvolvimento da empatia. Explique como você se sente quando ela não for colaborativa e ajude-a a se colocar no lugar do outro.
  • Evite a superproteção. Para você não será um problema fazer uma atividade pelo filho, mas ele poderá se sentir incapaz e incompetente se não souber fazer por si.
  • Estabeleça um vínculo seguro e confiante. 

LEIA MAIS: Síndrome do Imperador: Entendendo a Mente das Crianças Mandonas e Autoritárias, da psicoterapeuta especialista em terapia Cognitivo-Comportamental Lilian Zolet (2017), e A Síndrome do Imperador: Pais empoderados educam melhor (2019), de Leo Fraiman. 


Por Vivian Kratz, jornalista e psicóloga