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O chamado do despertar feminino | Revista Afrodite

O chamado do despertar feminino

“Há muito tempo o feminino nos espera, a alma nos espera, a terra nos espera. Parece que uma voz muito esquecida vem ressoando no nosso coração e ressoando no nosso útero. Parece que todos nós, homens e mulheres, temos nos distanciado daquilo que é mais essencial, mais verdadeiro, que é realmente o que nos conecta com o que verdadeiramente somos... e o que de verdade estamos fazendo aqui.” O trecho de boas-vindas ao portal As Tendas e Clãs do Sul também resume a essência da comunidade de mulheres criada pela astróloga e instrutora de yoga Lúcia Torres: um espaço seguro para a descoberta do que significa ser mulher, para amar e ser amada com entrega e confiança. “Essas mulheres  escolhem caminhar juntas, tecendo sonhos e nutrindo afetos.” 
Tendo a irmandade como estrela guia, o grupo que completou 25 anos em novembro está organizado nos Círculos Femininos Tenda da Terra e Tenda da Lua, que incluem atividades como cantos, danças, rodas de conversa, debates e outros recursos e ferramentas que permitam cada uma refletir sobre sua caminhada. Os encontros contam com a participação de 20 a 25 mulheres, a partir dos 18 anos, e a jornada sempre começa com o Tenda da Terra, que leva a um aprofundamento no Tenda da Lua.
Mais de 6,5 mil mulheres já participaram das jornadas, atraídas pela oportunidade de romper as amarras da rotina diária e ressignificar suas vidas. A mentora observa que muitas práticas ancestrais que auxiliavam no fortalecimento dos tecidos sociais se perderam, nos deixando desamparadas e sem referências de como florescer como mulheres. Além disso, outras receberam referências pouco salutares que, ao invés de encorajar a expressão livre e íntegra de seu ser, criaram prisões que reforçam padrões obsoletos e limitados.
 
Resgate do feminino

O Tendas surgiu depois que Lúcia participou de um workshop sobre o resgate da identidade feminina, em 1993. Provocada pelos questionamentos e inspirada pelos novos conhecimentos, contagiou amigas e alunas. Ao longo de 1994, desenhou cada ponto do trabalho que na época nomeou Círculo Feminino Tenda da Lua. “Foi um movimento fluído e altamente experimental, no qual cada uma ousou ser mulher entre mulheres, se consolidando uma egrégora de conexão íntima e sagrada entre filhas, irmãs, mães, avós e amigas.” 
Os sentimentos de partilha, irmandade, ousadia e pertencimento de sua origem seguem como guia, e a cada ano novas integrantes chegam à comunidade para fortalecer os laços e renovar a jornada. As que chegaram antes acolhem e guiam as novas gerações, que revigoram a certeza de que, juntas, se vai mais longe no despertar de uma consciência maior. “Talvez seja uma grande crise de esquecimento, uma dificuldade de reconhecer, de escutar, de lembrarmos de quem de verdade somos. Então, se trata de olhar para isso com muito carinho, muita delicadeza e começarmos a reconstituir esses vínculos e resgatar esse pertencimento. Se trata, sim, de aprendermos a ser mulheres com outras mulheres, dando esse espaço e esse tempo para o que nos é mais caro, mais essencial.”

Tenda da Terra

É o início da jornada, quando são criadas as oportunidades para as participantes refletirem sobre suas escolhas ao longo da existência e vivenciar temas que abordam diretamente os vários papéis que assumem, questionando-os. “Como eu me constitui enquanto mulher, no papel de mãe, filha, as minhas escolhas profissionais, minha própria sexualidade, minha relação com o sagrado, com outras mulheres e com o outro gênero também.” O objetivo é proporcionar um contato maior e mais profundo com a essência de cada uma, promovendo um espaço sagrado para compartilhar as experiências, sonhos e visões. Nesse resgate da identidade feminina através do autoconhecimento, da reverência ao sagrado e às tradições, o papel delas é repensado e redireciona-se a sua atuação social e planetária. É quando são chamadas a se tornarem as guardiãs do amanhã.
Um ciclo ritualístico, o Tenda da Terra busca a cura para os ancestrais desequilíbrios femininos e a ampliação da consciência, para que seja possível dissolver a ilusão da separatividade e possibilitar a emergência de vínculos mais fraternos entre as mulheres e, por extensão, em todos os relacionamentos. “Repensamos nossa maneira de ser e estar no mundo, tecemos vínculos de parceria e intimidade num ambiente seguro e acolhedor, e somos convidadas a fazer escolhas com maior consciência e a contribuir na construção de uma nova organização social.”
Há duas modalidades de participação. A extensiva são oito ou nove encontros mensais de três horas de duração e outro em um final de semana, quando conclui-se a caminhada com o grupo; na intensiva, a mesma jornada é condensada em três encontros aos finais de semana. Em ambas, a carga horária é de aproximadamente de 52h/aula. Ao longo desses 25 anos, a jornada já aconteceu em várias cidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

Tenda da Lua 

Condicionado pela caminhada no Tenda da Terra, o círculo feminino Tenda da Lua é um processo terapêutico numa jornada de um ano a um ano e meio, com encontros mensais e de imersão. Mais profundo, relaciona a autoconstrução através de uma metodologia criada por sua mentora, utilizando uma abordagem transpessoal e uma visão holística. 
“Ao longo dos encontros, revisitamos as ‘quatro estações’ da mulher (primavera, verão, outono e inverno), associando-as às diferentes faixas etárias, aos Mistérios de Sangue (menarca, gestação, menopausa), às fases da Lua, aos seus vínculos com as energias telúricas, lunares, arquetípicas e sagradas, vivenciando rituais de iniciação e passagem próprios do nosso gênero”, explica Lúcia.
Ao mesmo tempo, as tendeiras refletem sobre crenças, padrões, ideologias que plasmaram a visão sobre si mesmas, a família, os relacionamentos afetivos, sexuais, profissionais. E são convidadas a fazer outras escolhas quando identificam que estiveram se orientando por conteúdos obsoletos e sem significado, quando reconhecem que se afastaram “da alma e do coração.” 
Idealizado e tecido inicialmente por Lúcia, hoje o trabalho conta com a participação de outras mulheres, egressas de diferentes gerações da Tenda da Lua, devidamente credenciadas, que atuam também como facilitadoras dos processos.


Mestra em Literatura de Língua Portuguesa, Lúca estuda
Astrologia há mais de 30 anos e atua como consultora,
professora, pesquisadora e palestrante

 

Caminhada Compartilhada

Ao ingressar na comunidade, que vem caminhando junta há mais de duas décadas, estabelece-se um vínculo curador e nutritivo com todas, no qual elas continuam se encontrando e contam com a linhagem das gerações que vieram antes, que ampara e sustenta também quem chega a cada novo ano. Nesse contexto, o Tendas conta com fóruns de participação de temas comuns, como o Conselho das Mulheres, formado por representantes de cada geração da Tenda da Lua e facilitadoras dos ciclos, que se reúnem pela ótica do serviço planetário com os objetivos de sustentar energeticamente o trabalho dos círculos femininos Tenda da Terra, Tenda da Lua e clãs; refletir, orientar e decidir sobre as diretrizes dos trabalhos, de modo a mantê-los alinhados aos seus propósitos originais; e tecer ações conjuntas com o Conselho de Homens de Porto Alegre. 
O Conselho das Avós, por sua vez, trata de uma prática oracular milenar, transcultural e xamânica, repassada nos anos de 1990 por May East através de uma formação específica. O propósito é, ao reconectar com os arquétipos universais das avós, servir de forma gratuita a mulheres e homens que busquem esclarecimentos sobre questões pessoais. São mulheres mediadoras das avós e, desde 2010, após 13 anos de prática, o serviço tem sido colocado à disposição das mulheres da Tenda da Lua. Em 2011, também aos homens participantes dos diversos ciclos dos Guerreiros do Coração, um grupo dos Guardiões do Amanhã.

Projetos que ampliam o trabalho e envolvimento do movimento
Tenda Vermelha: projeto social do grupo, oportuniza que os círculos femininos sejam levados gratuitamente a comunidades da periferia, associações de bairro e outras populações de baixa renda. Se destinam a qualquer mulher a partir dos 18 anos e sua metodologia inclui momentos de partilha, rodas de cura, oficinas, conexão com o sagrado através da linguagem simbólica oracular, filmes e debates. Também contempla os temas que dizem respeito diretamente aos “mistérios de sangue” da mulher, relacionando-os não só à sabedoria ancestral feminina do conhecimento das benzedeiras e das ervas medicinais, por exemplo, mas também incluindo informações que possibilitem um questionamento sobre comportamentos e atitudes. O objetivo é o mesmo, tornar o universo feminino mais familiar a todos, principalmente às próprias mulheres, que merecem se descobrir. 

Guardiões do Amanhã: o projeto é uma parceria com os homens e surgiu como um dos maiores desafios que os tempos atuais apresentam, segundo Lúcia, o de disseminar uma cultura de paz, na qual homens e mulheres percebam-se como seres em evolução dentro de uma grande família planetária e cósmica. O objetivo maior é promover a integração das energias masculina e feminina em homens e mulheres de diferentes idades, buscando a harmonização consigo mesmo, com os outros, com o planeta e com o universo, permitindo um futuro possível para si mesmos e para os que virão.

Clãs: grupos complementares à Tenda da Lua, são oferecidos por mulheres egressas do movimento. São trabalhos específicos, alinhados com os princípios do Tendas e Clãs do Sul, porém seguindo metodologias próprias e temáticas variadas. Ao longo destes 24 anos, muitas tendeiras colocaram seus talentos à disposição desses vários grupos.

IRMÃS DE CAMINHADA

Com a certeza de estar contribuindo na reconstrução e ressignificação dos papéis femininos e da própria identidade da mulher e, assim, despertar para seu real propósito, Lúcia destaca aspectos fundamentais do Tendas: o trabalho pioneiro e sua longevidade, um sinal da profundidade e qualidade; o caráter de comunidade, de sustentação amorosa e afetiva entre as mulheres; e a parceria com os homens. Diferenciais que fizeram do grupo tema de uma dissertação de mestrado em Educação na PUC/RS, em 2014.
“Ao longo desse tempo, teceu-se verdadeiramente um espírito de clã inspirado pelo sagrado que reverenciamos dentro e fora de nós e, mais do que um simples grupo, hoje somos uma irmandade, um círculo, pois são nítidos os laços de amor, amizade e respeito que nos unem e nos protegem”, afirma a idealizadora. Ela acrescenta que o despertar exige coragem para criar esse espaço de encontro e de resgate, onde a mulher possa ser ela mesma, partilhar o que traz no coração, sem julgamento, sem críticas, mas com uma grande acolhida que o feminino saudável sabe ter e trazer ao mundo... “já que as mulheres tecem sonhos, xales e bebês desde o começo, desde o princípio dos tempos.”
Salienta ainda que o caminho do autoconhecimento e da autocura está no olhar profundamente para si, no resgatar pedaços da alma que ficaram perdidos no trajeto. O resultado é a própria aceitação de quem se é, com a desistência da ideia de perfeição e de cumprir as expectativas alheias, assim, viabilizando a promessa de alma que fez. “Que bom se todas as mulheres do mundo pudessem se reconhecer umas às outras como irmãs dessa caminhada. Há algo muito mais profundo, maior, mais verdadeiro, mais sagrado que nos une e nos transcende. Essa alma da humanidade espera pelo nosso sim, pela nossa consciência brotar e florir. Então, é realmente um convite para que cada uma de nós faça sua parte e abra o seu coração.”