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Ione da Silva Grillo | Conversa Com | Revista Afrodite

Ione da Silva Grillo


Fotos Fabio Grison

A literatura sempre foi um refúgio para essa mulher “arteira”, que fugia pelo mundo nas páginas dos livros. Começou a ler aos quatro anos, ninguém sabe como, e escreveu seu primeiro verso aos cinco. Hoje, com sete livros publicados, estimula a leitura com bom humor e prepara novidades

Se não está escrevendo, está pintando, viajando e/ou fotografando. Aos 62 anos, a escritora Ione da Silva Grillo se define como uma mulher arteira, que adora as artes em geral; do mundo, pois ama viajar; e das palavras: fala muito, lê muito e escreve muito. Tudo o que não fez na infância, fez e faz na vida adulta. Formada em Relações Públicas pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), com pós-graduação em Gestão da Comunicação pela FSG, a menina que aprendeu a ler aos quatro anos sem ninguém saber como, hoje tem sete livros publicados e transita por diferentes estilos e públicos. São versos, poemas, biografias e narrativas, numa versatilidade que ela acredita ser fruto da leitura. Casada, mãe de Francele e Giovani, e avó dos pequenos Estéfano e Lorena, é bem humorada, mas confessa ter dificuldades em dizer e  aceitar o não. Para ela, “tudo é possível até que se prove o contrário.” Gosta de pessoas, mas tem um prazer enorme em ficar na própria companhia, pois é quando está sozinha que mais consegue criar. 

Como a literatura surgiu na sua vida? 
A literatura surgiu ainda na infância. Ninguém sabe como aprendi a ler, aos quatro anos já lia revistas e livros que apareciam em casa. Era uma criança muito fechada, não falava e não me relacionava bem nem mesmo com minhas irmãs. Meu avô era carroceiro e recolhia papéis, ferro velho e outros materiais que vendia para sobreviver. Sempre que recebia revistas e livros levava para casa. Eu sempre escolhia alguma coisa para ficar olhando. Um dia minha avó percebeu que eu estava lendo. Acho que meu avô, Fidelcino Tavares, foi um inspirador e, meu pai, que mesmo sendo analfabeto comprava livros para eu ler. 

E a escrita propriamente dita?
Sempre escrevi, com cinco anos fiz meu primeiro verso, ele está no livro Armazém de Versos: O lulu auau / A mimi miau miau / Eu falo bem alto / Tá na hora do mingau. Escrevia em papéis, cadernos velhos, agendas descartadas. Com o tempo, muito desse material se perdeu. Nunca pensei que escreveria livros. 

Quando começou sua carreira profissional como escritora?
Quando minha sogra ia completar 80 anos não sabíamos o que dar de presente a ela. Como morávamos na mesma casa, eu tinha conhecimento de um vasto material que ela escrevia sobre suas memórias. Recolhi todos aqueles papéis e com a anuência dos filhos decidimos transformar em livro e dar a ela de presente. Foi uma experiência tão positiva que resolvi juntar as minhas memórias poéticas e escrever meu primeiro livro.

Você diria que seu primeiro livro foi o de comemoração dos 80 anos da sua sogra? 
Não poderia dizer que o Minhas Memórias contam histórias – Francisca Cipolla Grillo (2007), foi meu primeiro livro, mas, sim, minha primeira experiência de escrita, uma vez que todo o material tinha sido escrito pela minha sogra, só adaptei para um livro. 

Seu primeiro livro publicado foi Armazém de Versos, lançado, via Financiarte. Como ele surgiu?
O Armazém de Versos surgiu da inspiração que tive com o Minhas Memórias. Acreditei que poderia juntar os meus guardados e fazer um livro. É uma homenagem ao meu avô, Fidelcino, no entanto, ninguém o conhecia pelo nome, todos o chamavam de Piccinim. Morávamos em um reduto italiano e eles o apelidaram em virtude de sua baixa estatura. O vô recolhia todas as formas de escrita e as levava para casa. Por isso coloquei o nome do livro de armazém, tínhamos realmente um armazém de versos em casa. São poemas para um público infantil. A primeira edição foi lançada em 2009.

E como foi o processo do Anna - Aurora Boreal - Borella, que conta a história de uma imigrante italiana?
Foi um processo de muita pesquisa e muitas entrevistas. Foi maravilhoso andar pelas pequenas cidades da Itália para desvendar e descobrir os passos daqueles que vieram para o Brasil. Foi uma grande oportunidade que Deus me deu. 

O Reino de Abecus é um livro de poemas infanto-juvenil? Quando foi lançado? E o Rato Ronato? 
O Reino de Abeceus foi um projeto que ficou engavetado por muito tempo. Quando descobri que podia escrever livros, tirei ele do baú. Queria um livro bem ilustrado, colorido. Como já tinha feito uma boa parceria com a Karen Basso no Armazém de Versos, ela o ilustrou, e ele ficou como sempre sonhei. Foi lançado em 2012. O Rato Ronato surgiu durante uma viagem em que vi um passageiro derrubar uma foto de uma criança segurando um hamster. Foi um relâmpago! Em alguns instantes já tinha a história. 

Você é autora dos livros da empresa Tecnitubo e também do Videiras de Papel, do fotógrafo Severino Schiavo. Como foram esses trabalhos?
A Tecnitubo é uma empresa da família. Quando completaram 45 anos eles queriam algo significativo para comemorar a data e, também, era um sonho dos sócios deixarem um pouco da história para as futuras gerações. Alguém sugeriu um livro com a história da empresa, vieram falar comigo e concordei em escrever. Quanto ao Videiras de Papel, foi uma amiga, a fotógrafa Liliane Giordano, que me indicou para o Schiavo. Já o conhecia, ele havia feito muitas fotos pra mim, inclusive da minha formatura. Com o livro, reforçamos nosso relacionamento e nos tornamos grandes amigos. O livro é muito lindo e foi uma alegria enorme participar do projeto.

O que a literatura significa para você? 
A literatura sempre foi um refúgio pra mim. Comecei a ler muito cedo e como era muito retraída, fugia pelo mundo nas páginas dos livros. Hoje tenho que ter cuidado, se gosto muito do que estou lendo esqueço até de comer ou dormir. Muitas vezes já me dei conta que é madrugada e estou lendo. Houve um tempo em que meus filhos diziam: “Não fale com a mãe enquanto ela está lendo, ela fica surda!”

Houve um tempo em que você abria sua casa e emprestava livros para crianças e adolescentes do seu bairro. Como essa aproximação aconteceu?
Quando me mudei para a casa onde moro atualmente haviam muitas crianças e adolescentes na vizinhança. Comecei a conversar e apresentar o mundo dos livros. Consegui transmitir a eles o prazer de uma boa leitura, como era bom viajar, sonhar, se reconhecer em algum personagem... Abri minha biblioteca, indicava os livros que achava mais adequado para a idade e personalidade de cada um. Em uma agenda anotava os empréstimos. Hoje me orgulho de ver que estão formados, que são amantes dos livros. Já fui convidada para várias formaturas dos meus vizinhos leitores.

Como estimular a leitura de um livro hoje, num mundo dominado pela internet e urgência de um toque na tela?
É uma concorrência desleal e ao mesmo tempo necessária. Precisamos acompanhar o progresso. Tento incentivar a leitura contando histórias. Meus netos gostam muito de livros. Sempre que vou nas escolas procuro falar de forma bem humorada sobre o prazer de ler. Os jovens precisam ver o livro como algo prazeroso. Não podemos tentar fazer crianças e adolescentes aprenderem a gostar de ler pedindo que leiam Machado de Assis. Temos que oferecer livros que chamem sua atenção, precisamos conhecer os anseios e as personalidades das crianças para lhes indicar o que vai lhes agradar. Temos muitos autores bons que se preocupam com esse público. Harry Potter deu início a uma legião de novos leitores. E esse fenômeno se deu pelo excelente trabalho de marketing sobre o livro e porque os leitores se identificaram com o personagem principal e com a forma como a história é narrada. Os livros precisam, também, agradar aos pais, são eles que compram o livro para o filho. Sagas, gibis, mangás, são essas as literaturas que lhes chamam a atenção e, entendo, que é por aí que devemos atraí-los para a leitura.   

Você já participou de mais de 100 conversas em escolas públicas, ONGs e espaços culturais para incentivar a leitura. Como é esse trabalho? A receptividade e os frutos desses encontros?
Eu nunca me imaginei enfrentando esse tipo de público. É um público exigente e em formação. É uma responsabilidade muito grande. Penso muito no que vou dizer a eles, tento passar a ideia de diversão e prazer que uma boa leitura nos traz. Sempre sou muito bem recebida e é interessante quando eles me reconhecem em outros ambientes, cumprimentam, abraçam e, normalmente, me chamam de “profe”. Muitas pessoas acham que sou professora.

No seu site diz que você lê por paixão e escreve por teimosia. Qual o sentido da afirmação?
Tenho verdadeira paixão pelos livros, e escrevo por teimosia devido à grande concorrência que existe com o mundo digital. O número de leitores do livro físico caiu muito. É preciso ser muito persistente, teimosa mesmo, para continuar escrevendo e acreditando que o seu trabalho vai ser reconhecido pelo grande público. Hoje um cantor medíocre faz mais sucesso do que um bom escritor. No entanto, se os escritores desistirem de escrever o que vai sobrar para a história? O digital é descartado com muita facilidade, é só apertar um botão e você apaga tudo. O papel é mais perene.

Você tem uma página no Facebook onde posta poesias. Vão se transformar num livro?
Criei essa página para divulgar um pouco mais do meu trabalho. A maioria das postagens são de poesias, mas também tem contos, crônicas, frases, mensagens. Talvez se torne um livro um dia. Ainda não me decidi.

E os projetos futuros, algum livro novo à vista?
Tenho vontade de escrever um romance, mas ainda não me sinto pronta, preparada para isso. Atualmente estou desenvolvendo um projeto em parceria com um médico veterinário do Paraná sobre cães. É um projeto audacioso, lindo e muito divertido. Também será lançada, espero que ainda esse ano, uma antologia poética com o grupo da disciplina de Licença Poética do projeto UCS Sênior, pela Educs. O livro foi escrito pelos alunos da disciplina e organizado pela professora psicóloga Luciane Bertuol de Moura. Não tenho grandes ambições, mas vou continuar lendo por paixão e escrevendo por teimosia.