Foto: Fabio Grison
Entusiasta de todas as formas de arte, ela entende o artista como essencial para que a vida se torne mais leve e se tenha um pouco mais de sensibilidade.
Professora e pesquisadora, doutora em História, Teoria e Crítica, mestre em Comunicação e Semiótica, especialista em Artes Visuais, curadora de arte, graduada em Licenciatura Plena em Educação Artística... Sim, a lista é extensa e não para por aí. Coordenadora do curso de Artes da UCS há três anos, Silvana Boone ainda tem muito a fazer e a contar. Recentemente, comandou a Missão Acadêmica UCS-Nova York, que levou um grupo de estudantes a conhecer a arte da ‘cidade que nunca dorme’. Passou o mês de janeiro em San Diego (EUA) cursando inglês em função do processo de internacionalização da universidade e, desde março, integra a Diretoria de Educação e Cultura da CIC.
Entusiasta de todo tipo de arte, “desde que essa arte sirva para abrir a mente das pessoas e não fechar”, em 1993 pediu demissão das escolas onde dava aulas e foi morar na Itália, o berço Renascentista, onde permaneceu por um ano, uma experiência definitiva para sua trajetória profissional. Quando retornou, foi convidada para trabalhar no Cetec e orgulha-se de ser uma das idealizadoras do Cetec Festival. Em 1996 já dava aula na graduação em vários campi da UCS.
“Mãe da Olívia – depois de ser mãe, perdemos a identidade, né?”, diverte-se... e casada com Luciano Ferrari há 25 anos, nesta conversa ela fala sobre vida, carreira, os caminhos da arte, e indigna-se com “a desvalorização da cultura pela atual gestão de Caxias”, como define.
Como surgiu seu interesse pela arte?
Sempre gostei das coisas que envolviam arte, desde pequena. Gostava de fazer tricô, crochê, pintava, quebrava as bonecas, nunca fui a menininha, gostava de inventar. Até quando fui me inscrever no Vestibular... conto essa história porque é muito engraçada. Estava com uma amiga inseparável e tínhamos decidido pelo curso de Educação Física, porque jogávamos vôlei na época. Minha amiga se inscreveu e quando chegou minha hora, pensei ‘vou passar o resto da minha vida de tênis? Nem pensar!’, daí me inscrevi pra Artes.
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Foi uma decisão acertada?
Com certeza. Desde o primeiro semestre me apaixonei pelo curso. Sempre fui uma daquelas alunas ‘CDF’, fazia tudo e muito bem. Gostava de desenhar, pintar, mas não tinha aquilo de ‘vou ser artista’, até porque, na época, era Licenciatura, só agora existe o bacharelado. Foram as últimas disciplinas do curso que me direcionaram, eram sobre arte contemporânea, teoria e crítica. Logo que me formei fiz especialização na área pedagógica, e o curso trouxe muitos artistas contemporâneos pra cá, o que acabou sendo meu interesse. Nesse meio tempo resolvi morar na Itália, conheci a história da arte lá e me encantei.
Você morou um ano na Itália, um dos berços da arte, o que trouxe dessa experiência?
Quando terminei a especialização na UCS, em 1993, pedi demissão dos meus empregos como professora e fui para Firenze. Lá tive a oportunidade de estudar, viajei pela metade da Europa. Não conheci todos os lugares que gostaria, mas conheci uma boa parte. Trouxe pilhas de slides que tenho guardado até hoje, fotos, muitos livros. Mas eu trouxe uma experiência. Visitei todos os museus possíveis. Quando fui conhecer Paris, no último dia briguei com meu marido porque ele disse que não aguentava mais visitar museu e que seria a última vez que iria a Paris comigo. Há 10 anos, levamos a Olívia para conhecer a Itália e também fomos para Paris. Ele disse: “Se tu quer ir nos museus com a tua mãe, vai, eu não vou porque já conheço todos”. Sou apaixonada por museu. Não tiro férias na beira da praia como a maioria, porque se não tiver um museu nem adianta me convidar. Preciso ter um envolvimento com a história do lugar, então, conheço os personagens. Poderia até ter feito História, mas o que me encanta mesmo são as imagens.
O que é arte para Silvana Boone?
Definir arte é difícil, né? A arte envolve tudo aquilo que conseguimos construir em termos de imagem, porque produzimos uma imagem mental das coisas que nem sempre consegue ser reproduzida através de uma imagem. O artista tenta chegar nessa essência. Às vezes as pessoas não entendem a arte, dizem que é muito complicada ou muito simples. Leonardo da Vinci, durante o Renascimento, dizia que a arte é uma coisa mental. Então, a arte é a concretização de um pensamento. As pessoas, muitas vezes, falam de sentimentos, emoções, mas isso tem a ver com as impressões de cada um. O artista não traz isso, ele tenta trazer o pensamento, a ideia, independentemente da linguagem.
Essa gestão atual conseguiu destruir muita coisa que foi construída. Nunca houve uma prefeitura que desvalorizasse tanto a arte em todos os sentidos.
Como é o trabalho de curadoria?
Esse trabalho começou em 2006, quando recebi um convite da Fundação Iberê Camargo para fazer a curadoria de uma exposição, aqui em Caxias, com o ateliê de gravuras do Iberê. O Felix Bressan, que era meu professor, me indicou e recebi a oportunidade como um desafio, porque eu nunca tinha feito uma curadoria e nem entrado nos bastidores de um museu, como era a Fundação Iberê Camargo. Fiz o trabalho e me encantei. Ficou tão legal, que eles a levaram para Curitiba. A partir daí alguns artistas começaram a me procurar e questionar sobre o que era um curador, qual o seu trabalho. Então comecei a pesquisar sobre o assunto, tanto que todos os livros que existem sobre curadoria publicados no Brasil ou em espanhol eu tenho. Também criamos a disciplina de curadoria nos cursos de Artes e Fotografia da UCS. O curador é aquele que cuida do trabalho do artista, é aquele que vai tentar aproximá-lo do público. Percebo muita diferença das exposições que têm um curador das que não tem, porque é preciso contextualizar o artista num determinado tempo, no local onde ele está inserido, seja no contexto nacional ou internacional. Eu, Silvana Boone, não posso fazer arte. Não sou artista. Meu negócio é analisar e ter um pensamento crítico sobre a arte, por isso que minha formação dá esse olhar crítico da teoria e da crítica, e a curadoria vem nessa direção. Na essência da palavra, curador significa cuidar.
CURADORIA Desde 2006, quando iniciou a atividade, já contabiliza mais de 50 trabalhos, como a exposição da artista Rosali Plentz. Foto: Claudia Velho
Os artistas de Caxias percebem a necessidade do curador?
Com certeza. Eu tinha um projeto de pesquisa, que finalizei em março, justamente sobre a curadoria como forma de aproximar o público dos artistas. Durante três anos fiz uma pesquisa em todos os espaços expositivos da cidade, analisando desde 2006, ano em que fiz a primeira curadoria. Voltei um pouquinho pra saber onde estavam as curadorias antes e descobri que Caxias não tinha esse trabalho até 2006. Hoje praticamente todos os espaços buscam um curador para fazer uma exposição. Então, sim, Caxias evoluiu muito nesse sentido, porque a curadoria no Brasil demorou um tempo para acontecer também. Só a partir do final dos anos de 1980 que começam aparecer grandes curadores no centro de São Paulo. As exposições aqui no Campus 8 todas acontecem com uma curadoria.
Qual sua avaliação da arte e do incentivo a ela em Caxias?
Posso ser sincera? Acho que a gente nunca esteve tão mal. Essa gestão atual conseguiu destruir muita coisa que foi construída por outras administrações. Independentemente de partido político, nunca teve uma prefeitura que desvalorizasse tanto a arte em todos os sentidos: tirar o que já se tinha com o Financiarte, o que foi horrível, e nem falo da questão da lei, falo da questão moral, porque o prefeito (Daniel Guerra) foi amoral. A cidade conquistou o espaço para os artistas através da Lei de Incentivo à Cultura, esse dinheiro nem é dele e ele reduziu ao máximo possível. Isso é destruir tudo aquilo que a cidade construiu. Caxias já foi a Capital da Cultura e hoje não se pode nem associar o nome da cultura à Caxias, porque um dia é um bailarino que vai preso, outro dia é um artista de rua, como o Lucas Leite, nosso aluno, que foi preso enquanto dava uma entrevista para uma estudante de Jornalismo. É uma cidade que não respeita os artistas, porque, se um cidadão não tivesse feito a denúncia para a Guarda Municipal, não teria motivo nenhum para prender alguém. Caxias teve uma construção, temos bons espaços, muitos artistas, gente boa trabalhando, mas no que diz respeito à questão desse aporte da cidade nunca esteve tão mal, e eu espero que acabe logo. O mundo vive uma onda de retrocesso no sentido da volta da censura, e Caxias não é a protagonista disso.
O caxiense entende e consome arte?
Consumir é diferente de entender. Hoje temos uma compreensão muito maior da arte em função de todo o trabalho que é feito nas escolas. Os professores de Artes buscam ampliar muito mais a questão da leitura da arte, o que vem a ser, deixou de ser uma decoração, mas ainda tem muita gente que espera que as pessoas produzam as coisas do mundo através da arte. Já mudou muito, mas precisa ter uma compreensão maior e essa compreensão só vai acontecer quando as pessoas visitarem as galerias, conhecerem o trabalho dos artistas, buscarem entender que a arte de rua, por exemplo, não é menor do que a da galeria, porque o artista que está na rua tem uma trajetória independente da sua arte ser contestadora ou não, está trabalhando com a estética e com o processo criativo. São coisas diferentes, mas ambas fazem parte de um mesmo conjunto. Acredito que algumas coisas não acontecem porque estamos arraigados a questões tradicionais, culturais. As pessoas acham que precisa ter carteira assinada para ser considerado trabalhador. Então, um artista nunca vai ser visto da mesma maneira que alguém que trabalha na Randon ou na Marcopolo. E por quê? Porque foi isso que a cidade construiu, somos uma cidade industrial, Caxias cresceu no entorno dessas duas grandes potências. Mas sabemos que uma cidade não se constrói só a partir do viés econômico. Penso que isso vai mudando aos poucos, quando as pessoas se derem conta que ter um filho músico ou artista é tão bom quanto ter um filho médico, engenheiro, advogado, administrador.
NO MOMA Em Nova York, onde esteve por mais de 10 vezes, durante a missão acadêmica da UCS, em julho deste ano. Foto: Estelamaris de Oliveira
Sobre arte urbana, Caxias tem esse perfil?
Olha, eu acho que sim. Foi muito engraçado porque no dia em que mandei a carta de repúdio para o jornal Pioneiro (sobre a prisão de Lucas), fizemos um debate no Campus 8, e nosso auditório ficou lotado com pessoas que nunca vêm pra cá. Naquele dia vim do centro ao campus fotografando todas as inscrições urbanas que vi. E em cada esquina da cidade tem um grafite, uma pintura, uma pichação que seja. Se for só para dizer um monte de bobagem eu considero vandalismo, mas se vier com alguma coisa estética, uma composição de cor, uma letra maior ou menor, significa que já existe um pensamento criativo que serve para mudar aquele local por onde as pessoas passam. Penso que o que está na rua é de todo mundo. Hoje, prefiro muito mais um excesso de pichação, um cartaz, grafite tudo no mesmo muro do que a cópia da estátua da liberdade da Havan.
Qual é o papel do poder público, da iniciativa privada e dos próprios artistas no incentivo à arte?
A iniciativa privada faz muito mais do que o poder público, se pensarmos em termos locais. Busca incentivar, só que não têm os mecanismos. Na Diretoria de Educação e Cultura da CIC, inclusive, promovemos uma oficina mais direcionada para o empresariado sobre como pode participar da cena cultural se utilizando das leis de incentivo. As pessoas acham que as empresas pagam e, na verdade, elas podem contribuir com os impostos. Falta conhecimento e entendimento. Quando a iniciativa privada dá um patrocínio, está fazendo muito, pois há todo enfrentamento burocrático para se chegar num órgão público e pedir um espaço, por exemplo, pra fazer uma Parada Livre. O poder público, poderia contribuir muito mais, mas acaba sendo um entrave. Grandes empresas, que têm uma visão de arte e cultura em consonância com o tempo que se vive, incentivam. Os pequenos empresários é que ainda precisam conhecer, porque vão ver que estarão ajudando para uma sociedade melhor. É difícil falar qual o papel do artista, mas ele é alguém essencial para que a vida das pessoas se torne mais leve, para que se tenha um pouco mais de sensibilidade sobre as coisas.
Como é ser uma das criadoras do Cetec Festival?
Eu me orgulho muito. Na época tinha também a Marta Gobbato, professora de Literatura, e a Heloisa Santini, professora de dança. Recém-inaugurado, o Cetec só tinha duas turmas e pensamos em montar um teatro para aproximar as famílias. A Heloísa trabalhava com a parte de Educação Física, então pensamos em fazer um grupo de dança, e a Marta disse que iria trabalhar a escrita nas aulas de Literatura. Em dois meses criamos a primeira apresentação com as duas turmas. No primeiro ano ainda não se chamava Cetec Festival, era Memória: metamorfose dos tempos, porque nas peças eles lembravam a infância dos pais, era para ser uma homenagem. No ano seguinte entraram mais três turmas no primeiro ano e decidimos tornar isso um festival. Há uns 15 dias para a apresentação um dos alunos disse para colocarmos o nome de Cetec Festival, a Ana (Cesa), diretora da escola até hoje, e eu adoramos. O projeto tem uma importância maior pela confiança que damos aos alunos. A ideia era dar liberdade a eles.
EM 1996 Com o primeiro grupo de teatro a se apresentar no Cetec Festival, que ajudou a idealizar. Foto: Divulgação Cetec
Muitos planos? E os sonhos?
Não sou uma pessoa sonhadora. Não sou materialista... mas vivo muito daquilo que me constrói na verdade, então, não vivo sem arte. Tenho um mapa-múndi na minha biblioteca e cada vez que conhecemos um lugar colocamos um alfinete no mapa. Preciso conhecer coisas que me alimentam. Digo que a viagem para Nova York me retroalimenta, porque em uma semana consigo ver muita coisa que está nos livros, na internet. Sonho sempre em ser uma pessoa melhor e transformar a vida de algumas pessoas por aquilo que faço. Como profissional, meu papel é tentar socializar a arte ao máximo possível. Meus planos acontecem todos os dias.
SAN DIEGO A professora dedicou o mês de janeiro deste ano para fazer um curso de inglês nos EUA e, claro, visitou a famosa estátua O Beijo