Aos 88 anos, Hollandina Zelinda Bolzani de Salles, uma das costureiras de alta costura mais reconhecidas da região, nem pensa em parar. Bem-humorada, está curiosa em saber se poderá costurar “do outro lado”. Cheia de disposição, segue criando e costurando trajes junto à caçula, Tini (Maria Cristina), terceira geração no ofício e braço direito nos bordados, modelos e administração do renomado Atelier Lola Salles, que mantém estreita relação com a Festa da Uva.
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Com dezenas de trajes típicos e cinco edições dos vestidos das soberanas no currículo, Lola é a penúltima de 11 irmãos. Casada com Osmar Bernardo de Salles, teve quatro filhos – Ana Lúcia, João André, Jorge Luiz e Maria Cristina – e seis netos, um a caminho, além da bisneta Cristal, de sete anos, que já demonstra intimidade com panos e agulhas. Há mais de 70 anos, usa seu talento para transformar tecidos e linhas em sonhos que vestem mulheres nos momentos mais marcantes de suas vidas.
Você começou a ter contato com a costura muito cedo, ajudando a mãe, costureira. Como foi?
Sim, quando aprendi a colocar linha na agulha, com sete ou oito anos, comecei a ajudá-la. Ela fazia o enxoval do noivo e da noiva, trabalhava bastante. Mas esse trabalho não conheci, pois quando estava mais crescida, as clientes começaram a exigir tecidos e modelos diferentes e ela não sabia fazer, porque aprendeu tudo sozinha e adorava. Meus avós tinham matadouro de porcos e trabalhavam na roça, quando mandavam minha mãe capinar ela quebrava o cabo da enxada. Meu avô dava a dele, mas quando voltava ela tinha quebrado também. Tiveram que deixá-la em casa porque não teve jeito, ela queria costurar. E sempre costurou. Quando cansou de fazer os enxovais, trabalhou com confecção para o Sehbe e A Brasileira. As peças já vinham cortadas. E trabalhava também para alfaiate. Mas eu não gostava, porque era tudo sempre igual... não me satisfazia. Roupa de boneca nunca fiz, eu queria fazer costura, fazer roupas.
E como aprendeu o ofício?
Nos meus 12 anos minha mãe me ensinava a costurar. Como não sabia ensinar o corte, achou melhor me matricular no Círculo Operário Caxiense, para eu aprender modelagem. Ela tinha o corte prático, como eu também, está tudo na minha cabeça. Com 18 anos concluí a formação profissional em corte de vestidos, quando aprendi a fazer decote, cava. Antes disso já costurava. A primeira saia que fiz era listrada e precisava deixar a frente com as listras enviesadas encontrando as de trás e, do lado, retas. Acabei cortando e estraguei o pano. Era de uma cliente, Íris Menetrier. Minha mãe disse: ‘Não tem problema, vai no Magnabosco, compra outro pano, e vamos ver no que vai dar’. Cheguei em casa e cortei errado, de novo! A mãe disse: ‘Não tem problema...” e não me dizia como era para fazer. Me mandou pegar mais tecido. Na terceira vez consegui fazer, e acabei fazendo três saias iguais, porque os cortes ficaram todos certinhos.
Conquistou as primeiras clientes menina ainda, então?
Sim, e com 14 anos não queria mais ir à aula, porque quando menores tínhamos um professor que vinha em casa. Depois estudei no Emílio Meyer, mas queria ficar só na costura. A mãe queria que eu estudasse, mas acabei vencendo. Quando estava com 18 anos ela se aposentou, mas como éramos em 13 em casa, alguém teria que trabalhar. Busquei o Sehbe, que me registrou como costureira – consegui me aposentar por intermédio deles. Depois de um tempo eles devolveram o dinheiro, porque a costureira que trabalhava em casa não precisava mais recolher a contribuição, olha que honestidade! Comprei uma máquina de costura com o valor, então sempre tive essa ideia de seguir costurando.
Como surgiram os primeiros vestidos de gala?
O primeiro vestido de gala foi em 1946. Ficou com tanto estilo que se tornou famoso na cidade, e as mulheres começaram a pedir. Era com uns drapeados, detalhes difíceis de fazer, foi sucesso. Em 1953 fiz o primeiro vestido de noiva, para uma amiga (Iris Perini), tenho a réplica dele até hoje aqui, em miniatura. Em 1998 fizemos uma mostra de vestidos de noivas no Iguatemi comemorativa aos 50 anos do ateliê, e esse vestido ilustrou o banner e os convites, ficou lindo.
Modelo atual confeccionado por Lola / Foto Fabiano Scholl
Como era o processo nesse início. A cliente vinha com a ideia, o modelo era desenhado?
A cliente vinha com mais ou menos a ideia, mas era tudo de cabeça, não tínhamos revistas. Uma irmã que trabalhava em Porto Alegre, quando encontrava materiais com algum modelo, me mandava. Depois começaram as surgir as revistas. Eu sabia tudo de cor o que tinha nas revistas, hoje não dá mais para acompanhar, são muitas clientes e muitos modelos. Para o meu vestido de noiva, casei em 9 de novembro de 1957, usamos piquê de algodão, comprado na Casa das Sedas, em Porto Alegre, com encaixes plissados. Dele também tenho a miniatura até hoje aqui no ateliê.
Com todo esse sucesso, nos anos 1960 você se aventurou no ramo de confecção infantil?
Tinha muita vontade de fazer roupa infantil. As lojas, que não eram muitas, pediam. Aí, em 1966 registrei uma confecção, a Lola Infantil. Tínhamos três representantes, vendíamos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e alguma coisa no Paraná também. Mas em 1970 queimou minha casa e toda confecção. Éramos em sete trabalhando contando comigo. A fábrica era na minha sala, trabalhávamos ali. Tínhamos recém recebido tecidos, ombreiras, rendas, fitas, linhas, tínhamos feito uma compra bem grande e estava tudo depositado no sótão. Queimou tudo, e nosso seguro era muito pequeno. Meu marido teve que vender a oficina dele para podermos pagar. Eu tinha uma irmã maravilhosa, a Adelina, a mais velha das mulheres, que acolheu nós seis, dormíamos na sala dela e tinha a máquina para eu trabalhar. Aí liguei para as minhas clientes, porque eu tinha bastante cliente particular, e elas retornaram, retomei o ateliê e continuei. Mas eram lindas as peças para crianças, ainda tem gente que me diz: ‘Aquele vestidinho quem está usando é minha neta, minha bisneta’.
TRIO 2016 Prova dos trajes com a rainha Rafaelle Galiotto Furlan e as princesas Laura Denardi Fritz e Patrícia Piccoli Zanrosso / Acervo pessoal
E o convite para criar o primeiro vestido de soberana da Festa da Uva?
Antes fizemos muitos vestidos de candidatas e para os carros alegóricos: para um desfile criamos cinco modelos para mulheres que sentavam em umas barricas bem altas e o vestido precisava cobrir tudo, era bem longo. Eu achava lindo. Em 1993 ligaram me convidando para fazer os vestidos do trio, foi a maior surpresa! Maravilhoso, fiquei feliz da vida, vendo estrelas para todo lado. Confeccionamos os trajes oficiais das soberanas de 1994, 1996, 2000, 2004 e 2016. A concepção sempre vem pronta, os primeiros da Tânia Tonet, os segundos da Agueda Gollo e Iolanda Gollo Mazzotti, os terceiros do Sérgio Lopes, os quartos da Véra Zattera e os últimos do Walter Rodrigues. Para mim não é desafio, eu adoro que seja o mais difícil. Os primeiros não foram desenhados, foram copiados, homenageando as rainhas e princesas antigas. Não tinha medo de coisa nenhuma, fiquei muito feliz em fazer. Desafio é comigo mesma. Outra felicidade foi quando a Patrícia Pezzi (rainha da Festa da Uva 1996) me convidou para fazer o vestido de noiva dela.
DEDAIS Coleção integra a decoração do ateliê / Foto Fabio Grison
Qual a maior satisfação de costurar?
Minha costura é a rival do meu marido (risos). Trabalhava mais do que ficava junto dele. Acostumada na sala de costura, nessa máquina, não dava para ser diferente. É muito bom. Minha rotina hoje é vir para o ateliê por volta das 8h30min, 9h, até meio-dia. Volto 13h30min até as 18h. Se por acaso tiver um trabalho mais apurado, fazemos serão. Só de trajes típicos já contabilizamos mais de 50. Descobrimos que tem dois vestidos expostos em um Museu de Moda em uma Universidade de Santa Catarina. A Tini achou na internet e fomos até lá ver, não sabíamos que estavam lá.
por Vivian Kratz