Apaixonada pela vida e pela arte, Jane Toss de Bhoni é adepta da versatilidade. A artista plástica divide sua rotina entre as atividades no seu atelier, a gráfica Compurossi e a docência nos cursos de Artes e Design da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Um tanto Inquieta, lembra da mãe, Acely, dizendo que ela tinha “o bicho carpinteiro” e confessa: “Se ele existe ou não, eu não sei, mas ele segue comigo.”
Aos 58 anos, a mãe de Mário Antônio e Francesca revela que já foi rebelde e impulsiva, mas a maturidade trouxe sabedoria e hoje tem mais paciência e serenidade para lidar com as adversidades. Natural de São Marcos, conta que fez, faz e ainda quer fazer muitas coisas, apesar de achar que o tempo passa muito depressa, e cita Hipócrates: “A arte é longa, a vida é curta”.
Mesmo assim, arruma tempo para tudo. Adora e cultiva plantas de todos os tipos e aprecia os animais, desde que mantenham distância, “tanto, que não os como”. Procura estar sempre rodeada de amigos e da família, que considera seus maiores bens. “Deixo de lado o trabalho e o sono por uma conversa e um bom vinho, não importa o lugar. Claro, tudo embalado por várias trilhas sonoras.”
Como a arte entrou na sua vida? Você teve inspiração na família, influência de outras pessoas?
Fui sempre muito curiosa. Desmontava tudo que caia na minha mão. Era louca pela caixa de ferramentas do meu pai. Gostava de costurar, bordar, desenhar, pintar, tricotar, colar, recortar, parafusar, juntar coisas, transformar outras e inventar algumas. Se não soubesse como fazer, ia logo tratando de descobrir. Minha irmã Iliege, já falecida, era igual, e foi me levando junto com ela para os cursos de pintura que fazia, onde tive os primeiros contatos com tintas, telas e pincéis. Eu tinha uns sete, oito anos de idade.
Quando começou sua carreira profissional como artista plástica?
Na verdade, eu queria era ser designer, arquiteta, queria criar coisas, grandes de preferência. Mas isso não aconteceu, ingressei no curso de Artes na UCS e, em 1985, logo ao concluir a faculdade, me casei e tive meu primeiro filho, Mário Antônio. Nesse momento, a arte já fazia parte do meu pequeno universo, mas não a conhecia muito bem. Foi aí, então, que investi em conhecer mais, estudando, pesquisando, produzindo, viajando e buscando conhecer cada vez mais esse universo tão complexo.
Você é artista plástica, mestre em design, professora na UCS. Como essas áreas acontecem na sua rotina e criação?
Uma está de mãos dadas com a outra. A produção, a pesquisa, o estudo, a informação e o conhecimento andam juntos. Hoje divido minhas atividades entre o meu atelier, na parte da manhã, à tarde dirijo a produção e o atendimento da Compurossi, uma gráfica de design que produz material de papelaria especial para eventos. E, entre o vespertino e à noite, dedico meu tempo à docência nos cursos de Artes e Design da UCS. Acredito que essas atividades contribuem não só enriquecendo minha produção, mas também na formação de novos artistas e profissionais dessas áreas que atuo como docente.
No design você tem a parceria da sua filha, Francesca, formada em Publicidade. Juntas vocês criam e desenvolvem materiais gráficos. Como é essa relação?
Um grande desafio. Trabalhar com papéis e processos gráficos é apaixonante. Isso estava nos meus planos, entre as muitas coisas que eu queria fazer. Então, aconteceu. A Fran trabalhava no meu atelier desenvolvendo materiais gráficos e surgiu a oportunidade de produzirmos esses produtos. Então, adquirimos a Compurossi em meados de 2019, e hoje seguimos com essa parceria, ela na criação, com minha colaboração, e eu na produção e atendimento. Temos uma excelente sintonia, ela é bem organizada, criativa, e eu coloco ‘a mão na massa’!
Como é a experiência de ensinar arte?
É um desafio constante. Um aprendizado diário, pois precisamos testar nosso conhecimento e estar constantemente atualizados com o que acontece no mundo, da política aos fenômenos naturais e, principalmente, na arte. Estar bem informada das mais atuais produções, das diversas linguagens, cinema, dança, música, artes plásticas, no real e no virtual, o que foi, o que é e o que vai ser arte.
Sua arte transita pelo desenho, pintura, gravura e escultura. Como é essa versatilidade? Alguma predomina?
Impossível separar as práticas, as ideias são muitas. Mas as mãos não acompanham a cabeça, e o tempo não colabora em ir mais lentamente. Então temos que nos dedicar a algumas linguagens que dialogam melhor juntas. Hoje a pintura predomina. Em outros momentos, a escultura foi necessária para que as ideias pudessem tomar forma. O desenho sempre esteve presente, na pintura e na gravura. Em arte, o criador inicia um trabalho, mas depois o trabalho vai tomando vida própria.
Suas obras são marcadas pela beleza e força do feminino, numa mistura de suavidade e austeridade. De onde vem essa inspiração?
Muitos artistas na história da arte exploram o feminino como tema, pois ele é fascinante, intenso e plural: de Botticelli (O nascimento da Vênus, 1486), à Guerrilla Girls (grupo de artistas feministas anônimas, cujo objetivo é combater o sexismo e o machismo no mundo da arte – arte contemporânea). A apropriação da imagem feminina na arte provem do contexto social, no qual os padrões de beleza de cada época estão presentes. Hoje, olhos grandes, bocas cheias, rostos finos e narizes pequenos, o contexto da moda e da beleza trazem mais uma vez a padronização do modelo feminino atual. Acho a mulher poderosa, e procuro trazer um pouco desse poder, mas sem esquecer a feminilidade e a beleza. As plantas, as flores e as cores fazem parte desse universo constantemente.
Você participou de diversas exposições individuais, coletivas e Salões de Artes Plásticas no Brasil e no exterior. Quais você destacaria?
Todas essas experiências foram importantes no tempo em que ocorreram. Contribuíram para o amadurecimento e crescimento, tanto do trabalho como na minha formação pessoal. Destaco dois momentos importantes: uma exposição na Casa de Cultura aqui em Caxias, em 2008, na qual produzi durante um período bem difícil, quando a minha irmã que me ensinou a pintar estava doente. Apesar da dor, foi uma explosão de cores. A abertura aconteceu um dia antes do falecimento dela. Nesse momento, meu trabalho mudou e se consolidou. Outro foi a participação no 8º Salão de Arte Contemporanea – Montreaux Art Gallery, em 2012, onde tive a oportunidade de conviver com artistas, galeristas, colecionadores e também ver mais de perto como o mercado de arte opera na Europa. É outro universo. Lá, as pessoas consomem arte e o artista é um profissional muito respeitado.
Alguns estudiosos de arte associam seu trabalho e ousadia ao da diretora de cinema Sofia Copolla no filme Maria Antonieta. O que você acha dessa interpretação?
Amo esse filme! A leitura estética contemporânea que Sofia Coppola propõe é uma verdadeira obra de arte. Meu trabalho tem muito da minha paixão pelo Barroco e Rococó. Minha intenção, assim como a diretora, é também ter uma leitura pessoal para esses padrões estéticos, que se resume em expressar em detalhes, adornos, estampas e excessos as emoções, a sensibilidade do universo feminino. A natureza, o cinema, a moda são fontes onde eu bebo diariamente.
Quais os projetos e sonhos fazem parte da sua arte e da vida pessoal?
Sempre estou pensando na próxima exposição. Nem sempre ela acontece, depende de como e quanto consigo produzir. O mundo está em mutação nesse momento em função dessa pandemia que estamos enfrentando. Tudo isso vai refletir nas produções futuras. Sigo produzindo e me preparando para a próxima exposição, que não tem data marcada. Mas como amo viajar, estou sonhando em arrumar as malas porque, logo que puder, saio por aí!