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Dora de Resende Fabião, referência em... | Revista Afrodite

Dora de Resende Fabião

Foto Fabio Grison
Foto Fabio Grison

Os espetáculos comovem pela precisão dos movimentos, emocionando quem se encanta com a dança clássica. Em Caxias do Sul, ao se falar em balé não há como deixar de citar e lembrar de Dora de Resende Fabião, curitibana que, no ano 2000, recebeu o título de Cidadã Caxiense em reconhecimento à contribuição para a área artística e cultural não só da cidade, mas do país. A escola que construiu a partir das aulas que começou a ministrar aos 16 anos é responsável por formar bailarinos que brilham em palcos Brasil e mundo afora. 

A Dora Ballet, com sede no Centro de Caxias, apresenta dois espetáculos anuais e participa de inúmeros concursos, recebendo muitos prêmios pela técnica apurada e talentos locais. Neta de uma pianista clássica, de concertos, Dora herdou a veia artística. Aos 73 anos, já deixou seu legado, mas o amor pela dança a faz seguir dirigindo a escola, agora em conjunto com as duas filhas mais novas, Márcia e Susana, que seguem seus passos.

Como começa sua história com a dança?
Dora: Começou quando eu tinha três anos. Sou natural de Curitiba (PR). Meu pai era do Rio (RJ), engenheiro agrônomo, e veio vindo... conheceu minha mãe em Curitiba, se casaram, e ele veio dirigir a então Subestação de Enologia de Flores da Cunha. Logo em seguida começou o balé aqui e minha mãe pediu se eu queria fazer. Imagina, eu era muito serelepe, respondi que sim, e lá fui. Não saí mais. Faz praticamente 70 anos que danço. Na época eram duas professoras de fora, a maioria vinha de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Depois comecei a fazer cursos, com 24 anos fui à Rússia e à Inglaterra, numa viagem só de bailarinos, eram 20. Estivemos em vários países. Tive muito isso de querer aprender, sempre. Era boa nisso, não precisava anotar, gravava tudo.

E dessa temporada no exterior, o que mais ficou na memória?
Dora:
É uma loucura... até hoje me pedem para explicar, mas, para quem gosta, como eu, é muito difícil descrever. Procuramos a perfeição, que não existe, mas eles lá, na Rússia e na Inglaterra, são demais. Não tem comparação, não tem como eles. Tem uma coisa que é própria deles, dos russos, dos ingleses. Como nós temos o samba, eles têm o balé. Eu preferia o balé (risos). Aqui, as mães que não estudaram quando pequenas têm aquele desejo de que a filha vá para a dança clássica, de se realizar através da filha, e há as meninas que gostam mesmo. Nasci para formar bailarinas, quando elas começam a formação desde pequenininhas, que já entram com condições de seguir, já abro o olho. Mas puxo todo mundo igual, porque a aula é igual para todas.

O que a fez se apaixonar pelo balé?
Dora:
Eu era muito irrequieta. Tinha que dar uma parada. Comecei a dançar e aquilo virou uma rotina, algo de que gostava muito, me envolvi completamente. E precisa gostar muito para dançar o clássico. É muito dolorido, cansa... tem que aguentar, tem aulas que são mais fortes, mais puxadas, e as crianças sentem. Eu devia sentir na época essa dor, mas é uma dor boa, as crianças gostam muito e ajuda o corpo da mulher. As meninas chegam na escola e já as torneamos, como eu digo, vamos deixando-as mais bonitas, arrumando perna, pé, porque toda criança tem algo que pode melhorar fisicamente, então no balé já se procura corrigir. Depois, se ela quiser dançar, se tiver condição de seguir uma carreira, incentivamos. Recentemente uma aluna minha, Jaquelyne Alessandra Barbieri, foi para Goiânia se preparar para ir dançar na Europa. 


Aos quatro anos, numa aula no Clube Juvenil (Dora é a segunda da direita) / Acervo pessoal

Profissionalmente, pensou em fazer outra coisa, ou sempre foi o balé?
Dora:
Não, não. Só balé. Não cheguei a dançar profissionalmente, só quando era da Escola de Belas Artes, quando criança, dançava nos festivais, aquela coisa... Comecei a dar aula aos 16 e só me apresentei mais um ou dois anos. Iniciei no Colégio São José, era muito irrequieta, não parava, estava sempre inventando. Aí foi a vez que meu pai caiu duro, quando disse que ia começar a dar aula. Ele era um pouco mais acessível, mas minha mãe quase enlouqueceu com essa história. Mas vamos lá, era aquilo que eu queria, tirei o Normal (Ensino Médio), mas só para dizer (risos), porque era só balé o que queria. Vivia fazendo cursos e cursos, nas maiores escolas do Brasil, com estrangeiros. Como meus avós e meu tio moravam no Rio, tinha onde ficar, e eles me levavam de carro, então facilitava muito. A criação do Dora Ballet conto a partir dos meus 16 anos, então são 57 anos de escola em Caxias. Mas não sou de fazer contas, minha vida sempre foi sem planejar muito.

Você se destacou na formação de bailarinos e professores de nível internacional. Como fez isso?
Dora:
Acho que consegui por essa força que possuo, esse amor à arte e esse jeito de fazer. Eu não pensava muito, mandava vir os professores. Me telefonavam falando “tem um inglês aqui muito bom do Royal Ballet de Londres...”, eu respondia: “Manda!” Minha vida toda foi assim. Vieram grandes professores para cá. Criei grupos, mas sempre fui mais de formar bailarinas. Acho que a arte aqui em Caxias e, aliás, em todo Brasil, está muito a desejar. Falta incentivo. Porque as pessoas procuram melhorar, acredito que todos no mundo das artes querem e buscam isso, mas o incentivo é pequeno. É difícil para o governo abranger tudo com a fome do jeito que está, a educação, salário dos professores, então não temos muita opção. Na época não prestei muita atenção ao que estava fazendo, queria dar aulas e formar bailarinos. E assim foi, a escola ficou conhecida por isso. Tenho várias “crias” em corpos de baile na Europa e aqui. Exemplos são a Christine Ceconello, premiada como melhor bailarina do Sul da Alemanha, a Marilene Reis Gallas, acredito que uma das primeiras que saiu daqui, a Márcia Manfro, que está no Teatro Guaíra, em Curitiba, entre outras tantas.

O que faz uma boa bailarina?
Dora:
É ter condições: em primeiro lugar o biofísico, depois a resistência, a boa alimentação. É muito puxado. É difícil pois, às vezes, os pais não deixam, porque é uma profissão que pode ou não dar certo, principalmente aqui no Brasil. Viver de dança, ser bailarina no Brasil é muito complicado, acontece mais no Rio, São Paulo, Belo Horizonte. Hoje a Dora Ballet oferece aulas de clássico e contemporâneo, infantil e adulto, inclusive para as mães das meninas e pessoas interessadas. O Baby Class é a partir dos três anos. Temos cerca de 120 alunos, já cheguei a 500, mas hoje há muitas dificuldades financeiras e também não é o que os pais querem, eles priorizam aula de inglês, línguas. Montamos dois espetáculos por ano e elas vão para muitos concursos, no Rio de Janeiro, Campinas (SP), São Leopoldo (RS)... 


Espetáculo Dom Quixote, em comemoração aos 50 anos de dança, em outubro de 2011, no Teatro São Carlos / Foto Sedenir Aristides

Ainda dentro da sua trajetória, além de participar da criação do Grupo Cena (1983), de dança contemporânea, com Sigrid Nora, Margô Brusa, entre outras bailarinas, e do primeiro grupo de dança clássica do Estado (1988), em 1990 você criou com o argentino Valério Césio o grupo Bailarinos Descalços. Como foi?
Dora:
Ele estava dando aula em Porto Alegre e entrei em contato. Tudo que era novidade que aparecia eu trazia para cá, então muita gente aproveitou aqui em Caxias para fazer os cursos, ir se aperfeiçoando. Como ia muito a Porto Alegre, e ele tinha um grupo de dança contemporânea lá, logo fizemos amizade. Não sou muito da área contemporânea, mas o jeito que ele trabalhava o contemporâneo me atraiu. Esse grupo fez várias apresentações dentro e fora de Caxias. Gostava muito de ir assistir o que estava movimentando os lugares.

Você teve também uma passagem como diretora da Cia. Municipal de Dança, de 2007 a 2009?
Dora:
Sim, foi uma experiência muito boa. A companhia estava parada, assumi apenas para colocar para andar novamente, avisei ao prefeito da época que não seguiria, pois era dança contemporânea. Como me dou bem com muitos professores no país, fui buscá-los e os trouxe para dar aulas aqui, consegui projetos. Mas não dou muito para trabalhar assim, tendo alguém sempre fiscalizando, não é para mim, então na troca de governo me desliguei. Dei minha contribuição, fiz a Cia. voltar a funcionar, contratei bons bailarinos e aprendi muito também.

E qual era ou é seu grande sonho? Conseguiu concretizar?
Dora:
Sim, meu sonho consegui realizar: fiz uma grande escola, conhecida em todo o Brasil. Na minha carreira, acredito que fiz tudo que podia fazer. Poderia seguir fazendo, mas estou começando a deixar mais para as gurias, minhas duas filhas menores, Susana e Márcia, que dão aula, fazem coreografias e me ajudam a dirigir a escola. Aqui em casa todos, menos meu marido, viraram artistas. As duas mais velhas, Juliana, que é geóloga, e Daniela, arquiteta, dançaram, e o Gustavo, que é da área de História e Publicidade, faz teatro. O que me motiva a continuar é o amor pela dança. Quando vejo uma aluna pequena vir aos poucos e começar a crescer, me sinto realizada. Torço por elas, brigo por elas e assim elas vão em frente.


Por Vivian Kratz. Fonte Afrodite

Apresentação  em 1959, no Colégio São José / Foto Sedenir Aristides
Apresentação em 1959, no Colégio São José / Foto Sedenir Aristides
Em uma apresentação, aos cinco anos  / Foto Studio Geremia
Em uma apresentação, aos cinco anos / Foto Studio Geremia
Aos 16 anos, quando começou a dar aulas de balé / Foto Studio Geremia
Aos 16 anos, quando começou a dar aulas de balé / Foto Studio Geremia