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A economia no novo normal | Leia na Revista Afrodite

A economia no "novo normal"


Foto: Depositphotos

por Vivian Kratz
JORNALISTA E PSICÓLOGA


Em meio a tantas mudanças impostas pela pandemia do novo coronavírus, incertezas convivem com a necessidade de se reinventar frente à realidade que se apresenta. Quais serão os legados desse período e o que será transitório ou permanente ainda são perguntas sem respostas definitivas, mas já se pode observar muitas adaptações e novas formas de agir das pessoas, empresas, comunidades e instituições para enfrentar os desafios.
Para o engenheiro e empreendedor de negócios conscientes Thomas Eckschmidt, que tem 12 livros publicados e palestrou direto de São Paulo em uma das reuniões-almoço online da CIC Caxias, as crises são reparos de sistema. “Assim como um terremoto ou enchente são ajustes no meio ambiente, que permitem o surgimento de uma nova configuração, as crises financeiras ou econômicas são um ajuste na forma como operamos e que possibilita o surgimento de um novo normal.”
Segundo ele, pela primeira vez vivemos uma crise econômica e ambiental, já que se trata de uma doença vinda do meio ambiente como um reflexo do modo como estamos, enquanto humanidade, atuando no nosso ecossistema. “As duas crises se sobrepuseram e criaram uma crise social, é a ‘tempestade perfeita’. Nesse cenário, empresas não conectadas com a própria essência perderam a relevância e estão desaparecendo.” 
Para vencer nesse maremoto, ele propõe resgatar o porquê de cada organização existir, reconhecer nossa interdependência uns dos outros, transformar produtos e serviços em movimentos conectados a um propósito compartilhado entre todos, tudo isso alavancado por lideranças eficazes, corajosas e encorajadoras. “As empresas que praticam isso saem da crise fortalecidas”, afirma.

Local é a nova economia

Embora economistas afirmem que a globalização é um movimento sem volta, o resgate da produção, do consumo e da valorização do que é local, é defendido como uma das chaves para superar esse momento. “Já não pensamos mais em comprar da China porque é mais barato. E sim, ‘o que estamos consumindo?’ A força não vem de cima para baixo, do governo federal, vem de baixo para cima, das nossas regiões fortes. Como a gente opera junto e se fortalece junto? Chamar novos empreendedores para produzir e fornecer o que falta localmente pode ser mais caro no início, mas vai nos preparar para que na próxima crise seja muito mais fácil. Se não dá para comprar 100% local neste ano, compra 5%, no ano que vem compra 10% e, em 10 anos estaremos com uma comunidade mais forte. Cuidamos do nosso ecossistema e ele responde”, explica Eckschmid.
Nesse sentido, entidades empresariais de Caxias do Sul e região juntaram-se a movimentos nacionais, como o Compre do bairro,  encampado por CEOs de grandes empresas e apoiado pelo Sebrae, e a plataforma Cuide do pequeno negócio, que ajuda pequenas empresas a venderem por aplicativos e redes sociais. Tudo isso somado a inúmeras iniciativas individuais e informais que pipocam em mensagens que chegam pelo celular convidando: “Sabe aquela vizinha que faz doce, encomende dela”, “Compre da loja do seu amigo, perto da sua casa, incentive e apoie os negócios locais”.
Na CDL Caxias, a campanha foi batizada de Caxias tem tudo e precisa de todos, destacando a agilidade, a comodidade e a qualidade dos produtos da cidade. O Sindilojas Caxias encampa a iniciativa Compre do comércio local  e o de Farroupilha, a Compre em Farroupilha. A CIC Caxias veicula nas redes sociais posts que convidam: Compre Local – Caxias precisa de você. E até lojas aderiram, como a Drops de Menta, que criou a campanha Apoie o comércio local e legal, “pois professores, policiais e outros serviços são mantidos por meio dos impostos pagos pela economia formal”, observa a diretora da rede, Márcia Costa. Todas buscam mostrar que fazendo compras localmente garante-se a sobrevivência dos negócios, os empregos e o desenvolvimento econômico da região, já que os recursos, inclusive da arrecadação de impostos, ficam na cidade.  
A vice-presidente de Serviços da CIC Caxias, Maristela Tomasi Chiappin, destaca que a necessidade de fechamento das atividades consideradas não essenciais nos meses de março, abril e maio fez com que muitas empresas sofressem drasticamente com as perdas. “O que queremos é justamente conscientizar a população para que consuma bens, produtos e serviços de empresas locais, pois isso vai movimentar a economia de Caxias do Sul novamente. A valorização da economia local é uma das grandes lições dessa pandemia, vamos dar preferência aos nossos produtos, ao nosso comércio, aos artistas e aos serviços que dão empregos para a nossa gente.” Além da campanha nas redes sociais, as entidades têm oferecido informação e orientação em eventos online, para ajudar as organizações a se adaptarem e resignificarem seus negócios. 

Bons exemplos

Quando o assunto é união e criatividade que fazem a força e a diferença, não faltam boas iniciativas, que geram frutos para todos os lados. A Le Marché Chic, feira itinerante encampada por Luciana (a Lulu) Alberti, que reúne marcas autorais de moda, arte, design e gastronomia criativa, sem poder realizar os eventos presenciais, inovou e acaba de lançar sua alternativa mobile, um aplicativo que funciona como loja online para expositores como a artesã Gisele Telve (GiTelve Handmade) vender seus produtos e entregar no conforto e segurança da casa do cliente.
A tão falada economia colaborativa também está sendo posta em prática em muitas trocas de produtos e serviços, como aulas de yoga que passaram a ser oferecidas de forma online, transmitidas nas recém-famosas lives pelo YouTube. Samanta Shell, do centro Gaja Yoga, e Israel Bettiol, da Casa Santosha, trabalham com o que apelidaram de “Valorização Consciente” durante os meses de pandemia. Há um valor mensal estipulado pelas práticas, mas quem não tem condições nesse momento pode dar a contrapartida de valores menores. Quem está sendo afetado com mais rigor e não pode contribuir financeiramente, pode ajudar compartilhando as práticas nas suas redes sociais ou em forma de permuta, a troca de mercadorias e serviços sem o envolvimento de dinheiro.
“Desde a primeira semana da quarentena estamos com esse formato, aulas somente online, pois acreditamos ser muito arriscado as presenciais, mesmo com redução de alunos na sala. Pela Internet conseguimos atingir mais pessoas, já que nossos espaços poderiam comportar apenas três alunos por horário. Aderimos a essa forma de pagamento e também aceitamos troca de aula por algum tipo de mercadoria ou serviços. Já fazíamos escambo antes da pandemia, com trocas por fotografia e aula de canto, por exemplo, funciona com quem tem a mente aberta – algumas pessoas ainda não conseguem enxergar o escambo como algo positivo. Em troca de aulas, já recebemos em nossa casa alface, couve, nozes, frutas, pão, comidas preparadas e cultivadas pelos próprios alunos. Tem um resultado bem bacana na medida em que eles se sentiram muito acolhidos e felizes por não precisarem parar as práticas, algo que contribui para a sanidade mental nessa loucura que estamos vivendo. Sentimos que poderia ter uma maior aderência se as pessoas entendessem que o escambo é uma forma muito justa de valorizar o trabalho de alguém e o nosso próprio”, conta Samanta.
Outro grande exemplo é o Frank 5010, um respirador mecânico do tipo ventilador pulmonar desenvolvido para uso médico hospitalar sob condições de calamidade de saúde. A iniciativa é de um grupo voluntário de empresas gaúchas lideradas pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) com o intuito de buscar soluções que contribuam no combate à Covid-19. O projeto reúne a expertise da universidade e de mais de 30 indústrias regionais e pessoas físicas, profissionais que se envolveram no desenvolvimento e/ou apoiaram com acessórios, peças, serviços e suporte técnico, não medindo esforços e agilidade.
Professores universitários, médicos, engenheiros e empresários reuniram-se no fim de março e em poucos dias já tinham o primeiro protótipo para ser testado. Três aparelhos foram entregues ao Hospital Geral no dia 8 de maio, e a linha de montagem está pronta para entrar em operação assim que o modelo tiver a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A meta é buscar recursos – que podem ser doados por quem desejar ajudar – para a fabricação de 300 unidades do equipamento para abastecer o sistema de saúde da região. Confirmada a funcionalidade em testes clínicos, a expectativa é de que o respirador possa equipar a rede pública nacional e salvar vidas.

O novo normal

A professora do Insper, doutora pela USP com formação em Filosofia, Psicologia e Psicanálise, Maria Aparecida Rhein Schirato, explica que o conceito de normalidade está ligado a um padrão comum que de alguma forma garante sobrevivência, proteção e segurança àqueles que fazem parte. “Quando a sobrevivência e a proteção ficam ameaçadas, já não consideramos algo como normal. Por exemplo: é comum que jovens utilizem substâncias ilícitas, mas não é normal, pois estão ameaçando suas próprias vidas.” 
O novo normal, seria, portanto, a proposta de um novo padrão que possa garantir sobrevivência. “Para viver em um centro urbano onde neva, você precisa de um kit composto de gorro, cachecol, luva, bota, capote e lenço de papel. Sem esse kit, está absolutamente desprotegida e corre sérios riscos de ficar doente”, exemplifica.  O ‘kit neve’ dá um pouco de trabalho, causa estranheza nos primeiros dias, mas, aos poucos, você se acostuma, não porque é agradável, mas porque dá segurança. 
Agora temos o ‘kit Covid’, que inclui máscara, distanciamento social, lavagem de mãos, higienização com álcool 70%, entre outros procedimentos, conforme o local e a situação. Os novos hábitos atendem a essa busca de segurança e, apesar do incômodo inicial, descobrimos vantagens nesse novo modelo, como a alternativa do home office e do e-commerce, que reduzem os impactos no trânsito e na poluição, além de acelerarem os processos de modernização das empresas. “Essa discussão sobre o novo normal está mostrando que é possível uma nova forma de viver, com as vantagens de descobrirmos o valor da nossa própria casa, aprendermos a ser mais humildes e entendermos que não temos o controle de tudo”, conclui.