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O mundo feminino do vinho, prazer e trabalho | Revista Afrodite

O mundo feminino do vinho

Foto Depositphotos
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Elas transformaram o hobby em profissão e conquistaram o mercado. De consumidoras, essa mulheres viraram empreendedoras e vêm se destacando no Brasil e no exterior

Um mercado em plena expansão, a oportunidade de empreender em um setor consolidado e com um produto que todo mundo quer provar, a conveniência de aliar prazer e conhecimento. São muitas as razões que têm levado um universo cada vez maior de mulheres a se aventurar pelo mundo dos vinhos. De simples consumidoras, elas já são destaque no Brasil e no exterior como enólogas, sommeliers, diretoras de vinícolas e associações, jornalistas especializadas e promotoras de eventos do setor.

Foi a curiosidade em saber mais sobre a origem, o cultivo e a elaboração do vinho que levou Janaína Massarotto, 33 anos, a ingressar no curso de Enologia. A menina de 12 anos que ajudava o pai nas tarefas diárias da vinícola familiar, em Flores da Cunha, a princípio queria fazer carreira na área da saúde. Ingressou em vários cursos, mas não concluiu nenhum. Descobriu que sua vocação era mesmo o mercado de vinhos. Hoje, Janaína é sommelier internacional e a primeira enóloga do Brasil a capitanear a própria vinícola, a Marzarotto, assinando uma marca autoral de vinhos. “É crescente a participação do público feminino nas turmas de enologia, mas ainda somos minoria nesse mercado. A maioria dos profissionais na linha de frente do processo de elaboração do vinho é masculina. Sou uma das poucas mulheres  presente em todas as etapas, do plantio ao consumo”, destaca ela.

Quanto ao consumo da bebida, Janaína conta que é evidente a influência feminina na decisão de compra. “Minhas clientes são mulheres jovens, entre 25 e 45 anos de idade, também empreendedoras e conhecedoras do assunto, que buscam a excelência, do produto à embalagem. Elas visitam o local com frequência em busca de lançamentos e novas castas de vinhos, já viraram amigas. São muito criteriosas e exigentes nas escolhas.”

Para a atual vice-presidente da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), Regina Vanderline, 48 anos, esse fenômeno é cada vez mais explícito. As mulheres estão bebendo mais vinho e descobrindo na bebida não só uma forma de expressar vontades e gostos, mas de ampliar conhecimentos e se destacar. “Ao longo da história, elas sempre participaram do setor vitivinícola, da plantação à colheita da uva, mas nunca em posições de destaque. Permaneceram anônimas por muito tempo. Hoje estão mais livres e seguras para fazer suas escolhas profissionais, o que naturalmente reflete no setor vinícola e favorece a busca por novos prazeres, como degustar sabores diferenciados e trocar experiências.

Regina fala com propriedade. Acompanhou de perto a evolução feminina no setor vinícola.
A paixão que virou profissão a fez dedicar 35 anos à área, como professora, doutora em enologia pela Universidade de Bordeaux, presidente e vice-presidente da entidade máxima do setor no mundo. O gosto do avô pelos vinhos foi herdado pelo pai e transmitido à Regina. “Os aromas me encantaram desde o primeiro estágio que fiz em uma vinícola de Caxias do Sul. Costumo dizer que escolhi minha profissão pelo cheiro. Eles me levaram do Brasil à França para fazer doutorado em enologia e, graças a minha formação, em 2001, ingressei na Organização Internacional da Vinha e do Vinho, como especialista do Brasil e onde permaneço até hoje. O vinho para mim segue sendo uma grande paixão.

DE GERAÇÃO PARA GERAÇÃO

A enóloga Bruna Cristofoli, 35 anos, também descobriu o talento para o setor desde muito pequena, graças à observação e ao trabalho diário dos pais na vitivinicultura. Sempre estimulada a seguir os negócios da família, Bruna aproveitou a oportunidade para se especializar no setor e empreender na região. Atualmente, é a gestora e responsável técnica da Cristofoli Vinhos de Família, em Bento Gonçalves. Empreendedora, vê sua ascensão e de tantas outras mulheres nesse setor como algo natural, inerente ao gênero feminino. “Somos versáteis, transitamos com facilidade em diferentes espaços sociais e profissionais, e isso é uma qualidade que deve ser valorizada. Além disso, somos habilidosas para prospectar mercado de venda, ensinar a beber vinho e atender às necessidades dos clientes. Só é preciso transformar essas qualidades em vantagens competitivas. Hoje, vejo maior equilíbrio de gênero no setor vinícola, mas ainda há poucas mulheres ocupando cargos de direção.”

Graças ao trabalho de precursoras, hoje as mulheres se destacam entre as profissionais do setor e em concursos mundiais. Segundo dados da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), o público feminino representa 50% dos alunos dos cursos de formação, em ntegram o quadro social da ABE, 58 são mulheres. Já nos exames de qualificação Master of Wine, um dos títulos de maior prestígio para um profissional da área, a taxa de sucesso das mulheres é de 36%, segundo a vice-presidente da OIV. Em 2021 foram escolhidas 149 mulheres e 269 homens, em todo o mundo. A primeira mulher a conquistar o título foi a inglesa Sarah Morphew Stephen, em 1970.
 

As mulheres representam 50% dos alunos em cursos
de formação em sommelier, de acordo com a ABE

 

UMA MUDANÇA RADICAL

Foi amor à primeira vista. Um simples gole de vinho em um jantar despretensioso na companhia de amigos mudou radicalmente a vida de Deisi da Costa, 32 anos. Ela adorou a experiência e voltou para casa entusiasmada para saber mais sobre o processo de elaboração da bebida e as regiões produtoras. Em poucos meses, já estava certa do que queria para o fututo. A estudante largou a faculdade, pediu demissão da empresa onde trabalhava e mudou para Bento Gonçalves, onde mora até hoje.

Em 2019, Deisi foi eleita a Melhor Sommelier do RS pela Associação Brasileira de Enologia (ABS). Em 2021 participou do primeiro concurso no RS de avaliação da bebida, com provas teóricas e práticas sobre o assunto e venceu. Neste ano, vai disputar o concurso nacional, no qual nenhuma mulher ganhou até hoje. “Estamos conquistando o mercado de forma muito competente. Ainda é um setor predominantemente masculino, mas isso é um desafio para quem é independente, que vai atrás do que quer. As mulheres do mundo do vinho mostram ‘sangue nos olhos’ e entram no mercado para competir lado a lado com os homens, com profissionalismo e sensibilidade, afirma ela.

Deisi viajou o mundo em busca de conhecimento, morou em diferentes países para visitar as regiões de vinho no Brasil e no exterior. Hoje é dona da sua própria consultoria na área, a Sommde, e ministra aulas sobre vinhos em inglês no projeto Vinhos in English. Com o pé sempre na estrada, ela e a amiga Michele Zanella Cordeiro, técnica em enologia, estão agora viajando pelo país para conhecer vinícolas em diferentes regiões produtoras da bebida. A expedição cultural intitulada Vou de Vinho, que iniciou em outubro do ano passado, tem como objetivo visitar 100 empresas em 10 estados e no Distrito Federal. E, no final da aventura, escrever um livro que já tem lançamento previsto para setembro deste ano. A viagem das duas apaixonadas pelo mundo do vinho pode ser conferida pelo instagram @voudevinhooficial.


O consumo per capita de vinho no Brasil é baixo em relação 
aos países produtores europeus. Foi de 2,4 litros em 2021
 

ENTRE UM BRINDE E OUTRO

O surgimento de confrarias dedicadas ao vinho tem despertado o interesse do público feminino e alavancado as vendas do setor. São cada vez mais comuns os grupos que reúnem exclusivamente mulheres para conversar, bebericar e trocar informações sobre a área. Com maior conhecimento sobre o assunto, elas escolhem o que querem provar e se aventuram a viver novas experiências. Há comunidades com milhares de participantes e há pequenas reuniões, realizadas em casa ou em espaços públicos.

A enóloga Bruna Cristofoli é presidente de uma delas, a Confraria Amavi (Associação das Mulheres Amigas do Vinho), em Bento Gonçalves, que conta com 40 participantes. Para ela, a bebida é capaz de unir as mulheres, que têm um jeito muito particular de apreciar o vinho. Além disso, os encontros da confraria oportunizam saborear novos produtos com a expertise de quem conhece o mercado. Para apreciadoras da bebida é uma experiência enriquecedora e estimulante. “São elas, inclusive, que depois introduzem seus parceiros nesse universo de sabores e escolhem os rótulos na hora da compra.” As participantes da Amavi se encontram uma vez por mês em jantares harmonizados e escolhem rótulos temáticos exclusivos para degustar antes do jantar. Elas também organizam visitas a vinícolas para analisar novos produtos e viagens de estudos.

Em Caxias do Sul, a Confraria do Champanhe da Serra Gaúcha, presidida pela empresária Neiva Borghetti Nora, completa 24 anos e conta com 65 mulheres. “Costumamos dizer que somos um grupo de apaixonadas pelo mundo do vinho. Nossos encontros são mensais e buscamos o aprimoramento por meio de palestras com enólogos, sommeliers, enófilos e professores.

Para aprimorar o paladar, temos que expandir nossa esfera de degustação e descobrir novos aromas e estilos”, afirma Nora. A confraria também organiza, anualmente, viagens para conhecer regiões vitiviníferas pelo Brasil e no exterior, em países produtores da bebida, como Uruguai, Chile, Argentina, Portugal, França e Itália.


A inglesa Sarah Morphew Stephen foi a primeira mulher
a conquistar o título Master of Wine, em 1970
 

Nora conta que começou a participar da confraria por curiosidade, para conhecer mais da bebida apresentada pelos pais e logo descobriu um mundo inesgotável de informação e que cada garrafa tem sua história. “Me proporcionou essas descobertas, por isso acredito que a formação de grupos como esse foi e continua sendo um passo importante na inclusão da mulher no mundo do vinho. Quanto mais conhecimento e confiança temos, mais confortáveis nos sentimos para degustar e avaliar novos produtos e nos tornamos mais criteriosas nas escolhas.”

 Para a sommelier Deisi, as confrarias são a porta de entrada para  mulheres conhecerem a história do vinho e o processo de elaboração da bebida. Ela mesma participa de vários grupos e revela: “Muitas integrantes da confraria acabam abandonando suas profissões para entrar de cabeça no setor vinícola.”

AMIZADE E NEGÓCIOS

Do turbilhão de informações sobre o universo de aromas e sabores também surgem novas amizades e parcerias profissionais. “Já compartilhei meus conhecimentos com diversas confrarias da Serra Gaúcha e sempre fiquei encantada com a curiosidade das mulheres em torno de um novo rótulo, de uma nova região. As confrarias são parte do sucesso que o produto vem fazendo no Brasil, afirma a sommelier e jornalista especializada na área, Andreia Debon, que viaja o mundo escrevendo sobre o setor.

Andreia, que em 2017 recebeu o Troféu Amigo do Vinho Brasileiro da Associação Brasileira de Enologia, hoje participa ativamente das atividades como editora e diretora da Revista Bon Vivant, publicação dedicada à promoção da área. Desde 2021 mora na Itália, onde organiza guias temáticos e eventos direcionados ao consumidor final, além de ministrar cursos de degustação para mulheres. “O mercado brasileiro tem muito potencial para crescer. Há centenas de novos rótulos para provar e regiões para desbravar, mas é preciso investir na promoção do nosso vinho no exterior. Aqui na Itália, por exemplo, o vinho é muito mais que uma bebida, faz parte da cultura e da tradição. É uma bebida que deve ser compartilhada”, acredita ela. 

Em comparação com países produtores de vinho na Europa, o consumo per capita da bebida no Brasil ainda é muito baixo. Em 2021, foi de 2,4 litros, segundo dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho. Já em Portugal, o consumo é de 51,9 litros e, na França e Itália, de 46,9 e 46 litros, respectivamente.

Por Thaís Baldasso
Jornalista
Afrodite 73