Imagem do Restaurante Don Claudino, Gabriele Piccoli vive o sonho de infância e, com reinvenção e resiliência, aposta no novo para manter a empresa familiar saudável.
Ela abriu mão de uma grande conquista para realizar um sonho, o de infância. Em 2005, quando Gabriele Piccoli comemorava sua promoção ao almejado cargo de gerente no banco Santander, onde começou a trabalhar como estagiária em 2000, “por ironia do destino” seu pai, Jorge Piccoli, a convidou para ajudá-lo na empresa da família, que inaugurava o Restaurante Don Claudino. “Como era meu sonho desde sempre, não pensei duas vezes. Pedi para sair do banco.”
A partir de então, a mais velha de três irmãos transformou em profissão todas as experiências e aprendizados que reuniu desde pequena, quando ajudava o pai na venda de vinhos e no atendimento aos turistas da então Granja Piccoli, que funcionava como vinícola. “Adorava acompanhar meu pai em tudo, principalmente na elaboração dos vinhos, quando ele me deixava provar.” Em cada processo do preparo, lá estava ela, sentindo os aromas e os sabores, o que a transformou em alguém de paladar e olfato muito sensíveis. “Utilizar esses sentidos sempre fizeram parte do meu dia a dia.”
Tempo de aprendizado
Gabriela já nasceu com a responsabilidade intrínseca dos primogênitos. A mãe, Neiva, conta que desde pequena a filha sempre demonstrou o instinto de cuidar dos irmãos, Camila e Felipe, mesmo com a pouca diferença de idade entre eles. "Minha mãe trabalhava com meu pai na empresa, nós ficávamos em casa com minha avó, e eu tinha diversas obrigações. Como diz minha mãe, naquele tempo nem tinham tempo de pensar no que era certo, simplesmente faziam o que era necessário.”
A infância é um capítulo de ótimas lembranças para Gabi, como é chamada pelos mais próximos. Apesar de estudar na “cidade”, já que a região onde morava era colônia na época, ela relembra das aventuras incríveis quando criança, da convivência com os muitos amigos, do contato com a natureza e destaca a forte ligação que tinha com o avô paterno, Claudino, que a inspirou muito.
Seu primeiro trabalho foi aos 16 anos, em uma empresa chamada Vanet, que vendia sites numa época em que seu uso era raro. “Nunca vendi sequer um site, mas tive naquele momento uma ótima ‘professora’, que foi minha primeira chefe, uma mulher elegante, de pulso firme e, como ela dizia, estava me lapidando.” Logo depois, fez estágio de um ano no jornal Pioneiro, por conta de um curso técnico de Publicidade e Propaganda. “Não recebi salário, mas conheci pessoas interessantes e aprendi muito.” Depois foi para o Santander, que considera seu “primeiro emprego de verdade”. Hoje Gabi percebe o que seu pai sabia desde sempre: a importância das experiências fora do negócio familiar para o crescimento pessoal.
Na linha de frente
Graduada em Administração de empresas com especialização em Marketing pela Faculdade da Serra Gaúcha, hoje Gabriela é a imagem do restaurante da família. Com ela na linha de frente da empresa estão a irmã e a mãe, com quem divide e compartilha tarefas para que tudo funcione. A união é a principal característica entre elas e também o que as ajuda a enfrentar os momentos difíceis e as tristes perdas, como a morte prematura do irmão, em 2013, e do pai, em 2018. “Hoje somos nós três mulheres e continuamos mais unidas do que nunca.”
Desde o início, em 2005, conta que foram diversas as transformações do espaço de gastronomia. “Mas as principais e fundamentais para nossa história vieram quando conseguimos perceber a nossa verdadeira essência. Por mais óbvio que possa parecer, nem sempre esteve clara.” No princípio, o restaurante se posicionava como de culinária internacional. “Nada a ver com a nossa verdadeira alma, que é o artesanal, o feito com amor, carinho e dedicação, fortalecendo as nossas raízes. Aceitar isso foi simplesmente transformador para a nossa história.”
Inquieta, Gabi sempre estudou e pesquisou muito, procurando estar sempre um passo à frente. “Há um tempo, acreditava que anualmente era necessário apresentar ao mercado ao menos uma novidade... (risos), já faz tempo que percebi que as novidades precisam ser quase que diárias.” Pode parecer um pouco exagerado, ela admite, mas garante que não é. Principalmente com a vinda das redes sociais, o público exige que a casa sempre esteja apresentando algo novo.
“Nunca foi fácil, mas o mais importante é que sempre tivemos o apoio um do outro, quando um de nós perdia as forças, o outro estava forte para segurar e, assim, chegamos até aqui. Cada um teve e têm um papel fundamental, e a verdade é que nos completamos, acho que esse é o nosso segredo. Saber e aceitar o desafio de evoluirmos juntas.”
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Reinvenção e resiliência
Sincera, humilde e determinada, como se define, ela confessa que adora desafios e eles foram muitos nesses 16 anos. Cada momento foi uma batalha diferente, mas sem dúvida, manter a empresa firme e forte neste período de pandemia tem sido um dos maiores de todos os tempos. “Financeiramente foi um ano muito difícil, o medo de não dar a volta, de ter que demitir, de ter que fechar as portas, isso foi muito delicado.” Mas, ao invés de pensar no medo e nos problemas, o trio tratou de focar nas possibilidades, no que era possível fazer. “Estudamos e trabalhamos como nunca.”
Ela admite que não houve muitos ganhos financeiros, mas o esforço extra rendeu o suficiente para a empresa aguentar por mais um tempo e continuar mantendo a equipe, bem como pagando as contas. Além disso, revela que nunca estiveram tão próximas dos clientes e a marca nunca havia sido tão reconhecida. Por isso, acredita que estão no caminho certo.
Os períodos mais difíceis também convergem para a paixão da administradora, que ama a possibilidade que seu trabalho oferece de sempre fazer algo novo. “É assim nos eventos, quando cada festa pede uma decoração, e cada decoração é uma energia que se renova. A gastronomia também nos permite experimentar algo diferente a cada dia. Sempre utilizando todos os nossos sentidos.”
Gratidão e propósito
Quando não está no trabalho, Gabi gosta de estudar e de praticar esportes, pedalar em especial. Também ama sol, piscina, de estar com o noivo, Alisson de Bortoli, com a família e os amigos numa roda de violão – “saudades de poder estar com mais pessoas”. Para relaxar, faz reiki e meditação, gosta de ouvir podcast, dirigir ouvindo música alta e não abre mão de cuidar do jardim, o que a ajuda a renovar as energias.
Aos 39 anos, ser feliz é sua maior meta de vida. Por isso, sempre busca o equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. “Penso muito rápido, falo bastante e escrevo devagar. Sou consciente dos meus pontos fortes e também dos fracos, mas estou sempre buscando melhorar e ainda tenho muito para evoluir”, confessa. Grata a Deus pela família, que incentiva e apoia o trabalho que ama, acredita que continuar apostando na criatividade e na disposição para enfrentar as adversidades certamente terá como consequência o sucesso da empresa que ajudou a construir e vem transformando com foco, resiliência e paixão.