Fotos Fabio Grison
Da máquina de escrever ao processo eletrônico, Vera Lúcia Nunes Borges completou em junho três décadas no poder Judiciário, com superação e muita reinvenção em tempos de pandemia
Ela entrou no Judiciário em 1990, por meio de concurso público para o cargo de Oficial Escrevente. Em 2009, assumiu a função no Cartório da Direção do Foro de Caxias do Sul, onde atua na busca constante pelo aperfeiçoamento dos processos e qualidade dos serviços prestados. Nesses 30 anos de atividades, a advogada Vera Lúcia Nunes Borges conta que determinação, coragem e autoconfiança foram fatores decisivos para minimizar o desgaste e o estresse diário da rotina de trabalho. “Existiram momentos de adversidade, sim, porém cultivei a disposição para superar obstáculos e dificuldades.”
Aliás, desafios sempre fizeram parte da vida de Vera. Natural de Erechim, costuma dizer que a mudança para Caxias do Sul, em 1985, foi um divisor de águas na sua vida. “Nesse período, a menina cresceu e virou uma mulher forte, determinada e resiliente”, garante. Na cidade natal, trabalhava no Grupo RBS e, quando veio para Caxias, permaneceu na empresa até 1990, quando ingressou no Judiciário. “O apoio recebido dos colegas, em especial daqueles que com gestos de amizade e liderança me ensinaram a ter humildade, foco e vontade de vencer, foram de grande valia”, diz com gratidão.
A formação e a profissão
Vera lembra que fazer o concurso foi um desafio. “Tinha prova de datilografia e os próprios candidatos tinham de levar a máquina de escrever para digitar um texto, sendo que a prova era eliminatória, como a prova de informática nos concursos atuais.” Ela conta que, no dia seguinte à posse e entrada de exercício na função, foi secretariar um juiz em uma audiência e precisou datilografar o termo com cópia em papel-carbono, que era a única forma de se ter cópia dos documentos para arquivo. Outra experiência da época eram as audiências das sessões noturnas das Pequenas Causas, que não tinham horário para terminar. “Eram opcionais, mas uma forma de aumentar a remuneração.”
Formada em Direito pela Universidade de Caxias do Sul, ingressou no curso em 1998, após 15 anos da conclusão do ensino médio, o que resultou em muitas dificuldades por estar tanto tempo sem sentar num banco escolar. Sem acesso a um cursinho preparatório e com os dois filhos pequenos, Daniele, 12 anos, e Lucas, dois, teve que se preparar sozinha, estudando com material emprestado de amigos. “Só percebi o quanto o curso superior era imprescindível após estar no poder Judiciário.
Com sabedoria, paciência e ajuda de pessoas que considera muito especiais, que se tornaram amigos de alma, aprendeu muito, se aperfeiçoou, criou os filhos e se descobriu. “Caí e levantei várias vezes, aprendi a ter amor-próprio, a ser vaidosa, a não sair de casa sem um bom perfume e batom de cor vibrante, degustar um bom vinho e, acima de tudo, a aproveitar cada oportunidade que Deus e meus superiores me oportunizaram.”
Sonho realizado
As oportunidades chegaram. Em março de 2009, Vera foi designada a responder pela chefia do Cartório da Direção do Foro e se orgulha do trabalho realizado até agora, e não é para menos. A unidade é responsável por várias áreas, inclusive o setor de Recursos Humanos, que administra um grupo de praticamente 500 pessoas entre servidores, estagiários e funcionários terceirizados, além da zeladoria, outro desafio, pois o prédio possui mais de 20 mil metros quadrados de área. “Amor pela profissão, uma equipe competente, foco, humildade... e conseguimos obter sucesso nas nossas tarefas, nos tornando modelo para outras comarcas”, comemora.
Vera ainda destaca as atividades sociais do cartório, que têm o objetivo de servir a comunidade, como o Projeto Roda da Cidadania, que realiza o Casamento Comunitário, permitindo a regularização jurídica da união de casais de baixa renda – desde sua implantação, em 2005, quase 800 casais já foram beneficiados. “Acredito que as atividades de solidariedade representam mais do que uma mera obrigação estatutária. É uma forma de contribuir com o desenvolvimento humano e possibilitar condições de igualdade.”
A força feminina
Defensora da liberdade, que considera parte da alma e a própria substância desse novo perfil feminino na sociedade da informação, Vera atribui a ela as vitórias na carreira e na vida. “Ser livre é uma das maiores conquistas da mulher, por permitir ser quem somos. Se eu consegui me reinventar da máquina de escrever ao processo eletrônico é porque entendi e respeitei o sentimento de liberdade que habita em minha alma e me faz ter forças para todos os dias acordar e continuar.”
Com mais de 100 mil processos em tramitação na comarca, no ano passado o Tribunal de Justiça implantou no Estado o processo eletrônico nas varas cíveis e de família de Caxias, uma inovação que visa agilizar a tramitação dos processos judiciais e proporcionar mais qualidade dos serviços e melhoria aos jurisdicionados – em breve será implantado também nas varas criminais. “O mais impactante para minha vida e carreira foi que percebi como tudo vai além do processo eletrônico, estamos realmente na sociedade da informação, com novas maneiras de pensar, de agir e de comunicar-nos, em um perfil que tem que se permitir reaprender, conhecer, interagir e integrar a dimensão humana em paralelo com os recursos tecnológicos.”
A pandemia do coronavírus, segundo Vera, nos dá uma nova visão de mundo: “De repente 30 anos de poder Judiciário, em uma era totalmente digital, muitas histórias, muitas fases, mudanças tecnológicas, alegrias, realizações e trocas de experiências. É um novo ciclo, nova era, nova visão... a pandemia acelerou o futuro. Agora o mundo é digital, tecnologia que era para ser implementada de forma voluntária acabou vindo no susto. Pegamos no tranco o trabalho remoto.”
Foco na solução
Muito prática, o que não se confunde com desleixo como faz questão de salientar, sua característica é procurar soluções, ao invés de focar no problema. Por isso, busca entender o próximo, não criar desculpas e fazer o que tem que ser feito. E, sobretudo, não se deixar abater por críticas que não fazem sentido. “A mulher prática tem coragem para vencer os obstáculos com prudência e domínio sobre o medo.”
Vera acredita que o momento é de muito aprendizado, já que a vida é uma constante evolução intelectual e espiritual. “A guerra biológica está nos mostrando que hoje o menos é mais e o ser está muito além do ter, ou seja, a valorização do ser humano deve prevalecer acima de tudo, pois o amor próprio e o amor pelo próximo são dois elos que nunca podem se separar.” Entre todas as dificuldades que já enfrentou, seu grande aprendizado como mulher foi entender que o empoderamento feminino está em ser autêntica, ou seja, “Vera basta ser Vera”.
Família
A família é o bem maior dessa advogada. Orgulhosa dos filhos, afirma que eles significam o amor incondicional. “O melhor de tudo é perceber que se tornaram pessoas de bem, que captaram e sempre entenderam minhas dificuldades, ausências e adversidades em função dos tantos compromissos de trabalho e estudos.” Daniele, hoje com 34 anos, é graduada em Direito, como a mãe. “E está nos presenteando com meu primeiro neto. Joaquim trará ainda mais felicidade para nossos dias.” Lucas, 24 anos, é formando de Engenharia Civil.
Hoje, com todos os caminhos percorridos, Vera afirma que cultiva a gratidão, que vai além do muito obrigado. “Gratidão é superior a qualquer interesse e é nosso vínculo com Deus. É reconhecer, a cada dia, que vale a pena viver. Para mim significa não criar expectativas e preocupações e fornecer o nosso melhor sem esperar nada em troca. Gratidão é a paz na alma e a determinação na caminhada.”