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QUERIA REALMENTE escrever um poema sobre mulheres, descrever a força e qualidades que às vezes muitos homens não percebem. Até rascunhei alguma coisa, mas entendi ser inútil. Olhando um batom na penteadeira, uma necessidade me chamou e comecei a refletir sobre sua função: enfeitar um rosto antes do trabalho, da festa ou do jantar? Deve ser mais,
e o que mais deve ser?
O batom era vermelho, como o sangue de alguém que luta ou uma rosa que abre na primavera. Em um primeiro momento não entendia o porquê pensar aquilo, ou melhor, como uma coisa tão pequena trazia impressões daquele tipo. Lembrei então da minha bisa, que de capricho raramente pintava o rosto com batom. Eu via luta ali, força. Eu conhecia aquela história, uma história que se repete através do tempo. Já sabia o que aquele batom queria me contar.
Às vezes penso “como é ter medo de usar a roupa que gosto só pelo fato de ser quem eu sou? De querer usar um batom ou botar uma saia e, nisso, ter ainda que me preocupar antes de sair porque não quero que fiquem me olhando ou julgando de alguma forma.” Depois me assusto ao lembrar que isso é algo tão comum.
Sim, um objeto tão pequeno estava falando comigo, ouvia sua voz mesmo sem ter que abrir a boca. E embora a meiguice que tenho na lembrança da bisa, eu sei que o que ele conta não é tão bonito. Basta olhar ao redor, o machismo continua e é um mal de todos. Sempre ditando modas e definindo o que acha que deve ser seguido. Daí entendi de onde veio a luta, é do constante, cansativo, contínuo e diário.
E a rosa também está lá realmente, em cada estação, abrindo outra vez, batendo na mesma tecla e mostrando seu vermelho. Os direitos, infelizmente, só se fazem com a carne, e parece que alguém sempre precisa sofrer ou se exaurir para que tenha a chance de ser protegido ou garantir a proteção dos outros pela lei. Mas será que precisa ser mesmo assim?
Use o seu batom, mas como um símbolo da mesma força que não escrevi em poesia. Todo objeto carrega sua magia, mas também, algumas mágoas, é dual. Por isso pinte os lábios, porque ser mulher é ser selvagem, guerreira e também “glamour”, é entender o que leva e o que quer pela frente. Não lembre o batom como algo negativo, pelo contrário, é uma arma, um jeitinho de dizer que sabe o seu poder. Veja que mesmo ali na penteadeira, estático e calado como alguém deixou, um batom traz consigo a memória de todas aquelas que nos fizeram gente: mães, avós, bisavós, madrinhas, professoras, artistas, guerreiras, brasileiras e etc.
Se tivesse escrito em poesia, talvez não teria sido tão direto, a magia do batom ou da roupa que for, no fim, não está no que se enxerga, mas justamente no que poucos sabem ver.
Arthur Campagnolo Della Giustina: escritor e presidente da Academia Caxiense de Letra