O universo feminino vem produzindo importantes mudanças ao longo da história. Essas conquistas são marcadas no Brasil pela luta por direitos civis, políticos e sociais desde o final do século XIX. Avanços esses percebidos por um maior espaço no mercado de trabalho, insubmissão diante das relações de poder, como assédios, violências contra a mulher e sua consequente denúncia, uma vez que o feminino sempre foi, milenarmente, marcado como inferior.
Identificamos, no entanto, no decorrer de duas décadas em nosso trabalho clínico, um elemento que parece se manter historicamente intocável. E aqui ressalto que minha percepção refere-se ao singular na clínica e não ao universal (IBGE), mas àquilo que, nas transferências, o analista se deixa tomar pela fala e pela cultura. Trata-se da expectativa da mulher em encontrar aquele que será responsável por sua felicidade, expressa em suas narrativas, “com você serei feliz” ou “você me completa”.
O clássico modelo retratado por Gustave Flaubert em seu romance Madame Bovary (1856) que, a propósito, foi acusado por ofensa à moral e à religião, ao que o escritor responde: “Emma Bovary c’est moi.” (Emma Bovary sou eu). Poderia parecer clichê, diante da questão que inaugura essa reflexão, confrontarmos a máxima de que “é impossível ser feliz sozinho”, como diz o poeta Tom Jobim.
Hoje, o conflito apresenta-se a partir das mudanças culturais vistas pelas novas configurações familiares e, principalmente, no enfrentamento às múltiplas posições subjetivas. Nos propomos, então, a escutar pelo lado feminino, “como faço para ser amada e desejada”? Se no texto A moral sexual civilizada (1908), escrito por Freud, a moral sexual ainda persiste, resta a questão de que ainda não é possível ser amada e desejada ao mesmo tempo. Na mesma medida em que verificamos um avanço do lado feminino, ser desejada; impõe-se do lado masculino a questão de como amar a mulher que desejo?
Nos vemos confrontados diante da esfinge pelas inúmeras interrogações que a condição humana nos impõe. Quem sou eu? Pergunta essa que não cessa de não se inscrever na contemporaneidade. A partir de nosso título, procuramos apresentar algumas interrogações à dimensão do desejo por constatar na pergunta freudiana, o que deseja uma mulher? Será que a mulher deseja o desejo? Nossa indagação procura sustentar a hipótese de que só reconheço o meu desejo por meio do outro; portanto, é pelo outro que me reconheço como um ser desejante.
Em certo sentido, a condição para nossa subsistência depende da capacidade de lidarmos com as diferenças, diferenças essas que se reproduzem pelas representações que o feminino e o masculino nos colocam, em seu tempo. Não significa dar sentido ao viver, na medida em que podemos suportar que a vida seja sem sentido, fundamentalmente, inventar-se e transformar-se.
por Rudimar Mendes, psicanalista. Fonte: Afrodite 47