DESDE QUE CHEGUEI no Brasil os discursos e as perguntas recorrentes foram sobre os homens na cozinha, dei até uma entrevista sobre isso. Fui convidado para participar de eventos beneficentes e a responder as perguntas mais ideológicas sobre o assunto.
Em um primeiro momento achei absurdo, mas depois tentei entender o porquê, na Serra Gaúcha, acham tão estranho que os homens sejam cozinheiros profissionais, coisa que para mim é trivial. De fato, na Europa, e em quase todo o resto do mundo, os cozinheiros profissionais são homens, ao contrário daqui, onde a maioria são mulheres.
Nos dois casos há por trás uma veia machista. No primeiro, o homem vai trabalhar, mesmo que seja em uma cozinha profissional, e a mulher fica em casa cuidando da família, que não deixa de ser um trabalho devido ao número dos componentes familiares; no segundo, nessa região se criou uma cultura que inclui cozinhar entre as atribuições que as mulheres precisam desempenhar. No meu modo de ver não deveria existir qualquer tipo de preconceito nem de um lado nem de outro. Na verdade existe somente uma moral: quem desempenha melhor é quem gosta do que faz.
Deixando de lado as análises, os preconceitos e as tradições, hoje existe uma igualdade aparente que permite encontrar ótimos cozinheiros e ótimas cozinheiras. Devido às caraterísticas de cada um, o homem consegue, de certa forma, desenvolver ritmos mais acirrados e trabalhos mais pesados (claro que estou enfatizando uma caraterística, não leve isso ao pé da letra). A mulher, por sua vez, tem uma sensibilidade muito mais evidente e, quando falamos em senso estético e delicadeza, podemos enxergar de longe a diferença. A gastronomia é mulher, mas o espaço pode ser compartilhado e dividido de forma igual.
Nesse mundo, que é o único que consegue interagir com todos os outros e é presente de forma ativa na vida cotidiana das pessoas como nenhum outro, temos inúmeras possibilidades. Todos que sentem vontade podem participar do seu próprio jeito, mas as mulheres têm o lado materno que permanece na comida. Todo mundo sente falta dos pratos preparados na própria casa, aquele cheiro ou sabor que fica nas nossas lembranças e que nunca vai embora. Assim, quando a gente chega em um lugar e encontra algo parecido vive uma emoção e revive momentos da própria infância na memória.
A gastronomia, assim como as mulheres, é algo único, que vive de símbolos mágicos e carismáticos, algo que atrai de forma desarmante e apaixona independentemente do esforço ou resultado. A minha vocação sempre foi essa, e me empenho para poder cozinhar com a mesma desenvoltura das avós e das mães que cozinham e preparam os pratos tradicionais da própria família e da região como se fosse sempre a primeira vez.
Mauro Cingolani
Diretor Técnico
UCS Escola de Gastronomia
@maurolcingolani