Warning: ini_set(): A session is active. You cannot change the session module's ini settings at this time in /home2/revis236/public_html/kernel/ApplicationBootstrap.php on line 21
Cartas de Amor | Revista Afrodite

Cartas de Amor

Ilustração por Fernanda Mondadori

Escrevi cartas com juras, pedidos, desabafos, idas e vindas e pontos finais. Foram milhares de palavras ensaiadas na ponta dos dedos


DE TUDO O QUE LI sobre o amor – e sua íntima ligação com o universo feminino –, pouco se assemelha à grandiosidade das palavras de Ferreira Gullar, poeta genial:“O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer.”


Essas frases impressionam pela profundidade e representação do amor em sua essência pura, voraz e inexorável. Sempre lembro dessa relação umbilical do amor com as cartas que escrevi. Muitas à mão. Mandadas pelo correio, e-mail ou entregues pessoalmente, outras amassei e joguei fora, e algumas guardei sem nunca remeter ao destino. Cartas de amor têm sentido único, silencioso, confidencial.


E assim fiz. Cada palavra milimetricamente pensada, algumas nas entrelinhas, como se fosse um cálculo matemático, mas vindas do coração, da alma. Não se escreve sobre o que não se viveu ou vive, premissa básica das cartas de amor. Aliás, penso nas cartas reais ou fictícias trocadas por Johnny Cash e June Carter, Yoko Ono e John Lennon, Tristão e Isolda, Romeu e Julieta... Quanta vida narrada em palavras, o mundo decifrado em segundos, histórias de amores incríveis.


Escrevi cartas com juras, pedidos, desabafos, idas e vindas e pontos finais. Como e quanto narrei, e de todas as formas, mas não tenho certeza de que as cartas chegaram ao destino ou foram guardadas. Mas deveriam. Foram milhares de palavras ensaiadas na ponta dos dedos. As cartas, algumas escritas em meio a lágrimas e ao desespero, narravam a luta para manter vivo um sonho, uma esperança. Dimensionar isso em palavras muitas vezes é como ter uma agulha à espreita, que fere, inesperadamente, quando se abre a gaveta, o livro, remexe roupas, busca cheiros, congela o olhar em fotos e revive músicas na memória.


Nas cartas que embalaram os sonhos havia uma rua só nossa, um lindo fim de tarde, um céu cheio de estrelas e promessas de intermináveis noites de amor. Quando chovia no inverno, desenhava os contornos do nome dela no vidro da janela do carro. No outono, queria que as folhas dos plátanos a trouxessem voando, no verão, desejava o banho de mar na madrugada; na primavera, sonhava levar todas as flores do mundo.

Tudo isso, essas cartas de amor, trazem uma fissura no coração, mas também podem dar um livro... 


Daniel Corrêa é jornalista