Por THAIS HELENA BALDASSO
A psicóloga Fernanda Cipriani Casagrande, 43 anos, descobriu a síndrome de burnout em 2019. Na época, acumulava muitas horas consecutivas de trabalho, sem as necessárias pausas para o descanso. A agenda cheia e a dedicação às atividades profissionais conciliadas com a vida familiar a levaram sentir os primeiros sintomas de um esgotamento físico e mental. O corpo começou a dar sinais de que algo não ia bem: de um olho tremendo a problemas respiratórios difíceis de curar. Fernanda sentia-se cansada, já não dormia direito, acordava várias vezes durante à noite, tomava remédios para dor de cabeça e sentia desconfortos gastrointestinais.
“Passei um ano adoentada, tomando antibiótico, corticoide, fazendo diferentes tratamentos e nada funcionava. Mesmo assim, não admitia estar doente e muito menos faltar ao trabalho”, desabafa. Acostumada ao ritmo frenético, sentia que a produtividade já não era a mesma. “Trabalhava sem parar e a empresa seguia cobrando resultado. Não entendia porque nada estava suficientemente bom e já não podia dar conta de tudo. Estava exausta e sentia um vazio, uma insatisfação constante. “Me afastei até da família”, relembra a psicóloga, que acumulou problemas de saúde como asma e pneumonia e emocionais. O que Fernanda não sabia é que estava sofrendo da síndrome de burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional.
A SÍNDROME
Doença ocupacional descrita pela primeira vez em 1974 pelo psicanalista Herbert Freudenberger, levou anos para que fosse levada a sério. Dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda em 2019, quando a síndrome foi catalogada pela organização como risco laboral, mostravam que 300 milhões de pessoas já sofriam de depressão e 260 milhões de ansiedade. Apesar disso, a bunout se tornou um problema oficialmente diagnosticável apenas em janeiro de 2022, quando foi reconhecida pela OMS e passou a figurar na nova Classificação Internacional de Doenças (CID) definida como um “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. Desde então, as empresas podem ser responsabilizadas caso não tenham programas que ajudem a frear a fadiga atrelada a exigências do cotidiano profissional.
O Brasil aparece como o segundo país com mais casos de burnout no levantamento da International Stress Management Association (Isma). A doença acomete 30% de 100 milhões de trabalhadores, de acordo com pesquisa da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt). Os números superam países como Estados Unidos e Alemanha e ficam atrás apenas do Japão, que soma 70% da população com o problema.
Comparada a um quadro de estresse grave, a síndrome é sinônimo de uma reação negativa na área profissional, sendo caracterizada por três etapas: exaustão emocional, despersonalização e redução do sentimento de realização pessoal. Herbert Freudenberger e o também psicanalista Gail North, por sua vez, chegaram a criar uma lista com 12 estágios pelos quais pode-se passar antes de chegar ao colapso físico e mental (quadro pág. 56).
A psiquiatra Maria Inês Mesquita destaca que profissionais que atuam diariamente sob pressão, com sobrecarga de trabalho e envolvimento interpessoal direto e intenso, como médicos, enfermeiros, professores e policiais são os mais propensos a apresentar a doença ocupacional. Mas o temperamento do profissional e o perfil da empresa também contribuem para provocar ou agravar o problema, acrescenta a psicóloga Fernanda Cipriani. “Infelizmente, são poucas as empresas que se preocupam com a saúde mental dos trabalhadores”, avalia. No livro Burnout: um guia para identificar o esgotamento e os caminhos para a recuperação, Gordon Parker, autor e especialista em saúde mental, afirma que perfis perfeccionistas têm mais tendência a desenvolver o problema, pois estabelecem padrões irrealistas e implacáveis para seu próprio desempenho, impossíveis de cumprir.
OS IMPACTOS
Medir o impacto da síndrome ainda é uma tarefa complicada, principalmente porque os estudos são recentes. De acordo com a pesquisa Women in the Workplace 2021, feita pela consultoria McKinsey e pela organização LeanIn, as mulheres são mais propensas à doença: 42% sofrem com sintomas da burnout, enquanto a taxa entre os homens é de 35%. A chegada da pandemia de covid-19, por sua vez, contribuiu para agravar o problema, já que alterou a dinâmica das relações de trabalho e interferiu na saúde mental dos profissionais que começaram a desenvolver suas atividades à distância. “Com o home office, as pessoas passaram a gerenciar questões de trabalho e familiares no mesmo ambiente e tiveram dificuldades para encontrar momentos de descanso”, comenta Maria Inês.
Há pesquisas que apontam que o trabalho híbrido desencadeou casos de burnout especialmente em jovens da Geração Z, que iniciaram sua carreira profissional na pandemia e não tiveram a oportunidade de adaptação ao local de trabalho e o contato com colegas. Por isso não conhecem os limites entre vida pessoal e profissional e se sentem sobrecarregados. “Para 45% desses jovens, nascidos entre 1995 e 2010, o trabalho remoto ou híbrido desencadeou a síndrome, além da deterioração da saúde mental”, complementa a psiquiatra.
O DIFÍCIL DIAGNÓSTICO
Fernanda, que vivenciou a síndrome, concorda que a pandemia provocou o aumento dos casos, agravou outros quadros e muitos não foram corretamente diagnosticados. “Os processos de burnout eram tratados como depressão ou ansiedade”. Isso porque os sintomas entre as patologias são muito parecidos: fadiga persistente, falta de energia, distanciamento afetivo de amigos e familiares, indiferença ou irritabilidade relacionados ao trabalho, além de sentimentos de ineficiência e baixa realização pessoal. E quando a doença não é tratada de forma adequada, pode provocar outros problemas de saúde, como hipertensão, crises de ansiedade, desconfortos gastrointestinais, baixa na imunidade, insônia, alterações repentinas de humor, dificuldades de concentração e depressão grave, conta Maria Inês. “O melhor tratamento ainda é a psicoterapia, que ajuda o indivíduo a rever sua relação com o trabalho e modificar a crença de “eu não sou bom o suficiente”. Dependendo da gravidade, pode ser necessário o acompanhamento de um psiquiatra”, salienta.
Até saber que padecia da síndrome, Fernanda enfrentou por dois anos os sintomas. Quando descobriu a doença ocupacional pediu afastamento do trabalho por recomendação médica e seguiu tomando medicação e fazendo psicoterapia para voltar a ter qualidade de vida. “Fui admitindo que não era a Mulher Maravilha, voltei a fazer exercício físico, fui retirando a medicação para dormir e para depressão, e mudei meu estilo de vida.” Mesmo assim, apenas em 2021 começou a sentir-se bem fisicamente, apesar de ainda padecer dos efeitos emocionais, e demorou um bom tempo para voltar a exercer a profissão de psicóloga. “Passei a administrar melhor o tempo e encontrei o equilíbrio na vida e no trabalho.” Hoje relata que trabalha feliz e conta com uma rede de apoio importante para poder dar conta de tudo. Ao todo, foi um ano sem ajuda médica e dois anos afastada do trabalho, em tratamento.
COMO PREVENIR
Buscar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional é o caminho para prevenir o problema, considera a psiquiatra. “É preciso arranjar tempo para família e amigos, praticar exercícios físicos regularmente, cuidar da alimentação, encontrar atividades que relaxam corpo e mente, assumir uma atitude positiva perante a vida, dar atenção à espiritualidade, praticar a compaixão e autocompaixão, e fazer psicoterapia. Essa é a minha receita”, compartilha Maria Inês.
Fernanda acrescenta que se faz necessário traçar estratégias para diminuir a pressão e o estresse no trabalho. “Defina pequenos objetivos e reserve momentos de lazer e de interação. Além disso, faça atividades que saiam da rotina, descanse adequadamente, evite o consumo de bebidas alcóolicas e fumo, e busque ajuda profissional assim que sentir os primeiros sintomas do esgotamento profissional.”
BOM EXEMPLO
Em janeiro de 2022, ainda durante o período de pandemia, uma empresa de tecnologia da informação de Caxias do Sul propôs uma ação de saúde mental com 15 funcionários do setor de suporte. Durante um mês, através de atividades focadas no autoconhecimento, na mudança de crenças limitantes, em exercícios de mindfulness e ações práticas para incorporar no dia a dia, os responsáveis pelo atendimento direto ao público tiveram a oportunidade de interagir, questionar e sugerir mudanças. O objetivo era evitar o estresse crônico da equipe de trabalho. No decorrer dos encontros ainda foram fornecidas ferramentas para que seguiam aprimorando o autoconhecimento e criando hábitos saudáveis, evitando estresse, ansiedade e a possível burnout.
O treinamento se mostrou bastante positivo na avaliação dos participantes e todos apontaram o desejo e a importância de continuidade. “Mas ainda é difícil que as empresas implementem um investimento contínuo na área de saúde mental dos colaboradores”, avalia a psicóloga Juliana Zen, responsável pelas ações desenvolvidas na empresa. Ela destaca que trabalhos como esse são importantes, pois nem sempre é fácil reconhecer os sinais de esgotamento nas equipes. “É preciso ficar atento ao colaborador que de um momento para o outro muda seu comportamento, reduz seu desempenho, passa a faltar ou tem idas corriqueiras ao setor de saúde”, alerta.
Para Juliana, toda empresa deveria fazer um check-in regular com os colaboradores diretos sobre seus sentimentos em relação à atividade. “Faça perguntas, ouça e incentive os comentários. Assuma uma posição de defesa junto à equipe. Mostre aos funcionários diretos que você está junto com eles, apoiando e comprometida. Tente atuar com equipes multifuncionais, seja mais flexível e decida em grupo, quando possível”, acrescenta.
Para prevenir a síndrome de burnout, outra dica da profissional é aproveitar os pontos fortes da equipe para eliminar obstáculos. Isso pode ser delegar uma tarefa a um funcionário que se destaca em uma habilidade específica ou adiar um prazo para aliviar uma carga de trabalho muito pesada. “Também é importante incentivar o uso de recursos que a empresa ofereça e relembrar sobre os benefícios e ferramentas para evitar o esgotamento. Nada mais produtivo do que funcionários felizes.”
DIREITOS
Pela lei, se comprovado o diagnóstico de burnout, o trabalhador pode pedir o afastamento de suas atividades pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e receber todo o amparo legal, mas nem todos possuem esse conhecimento. Advogada trabalhista e previdenciária, Deise Webber Trindade, que atua há mais de 20 anos na defesa de trabalhadores e professores, percebeu que muitos sofriam da doença ocupacional, porém havia pouca literatura para embasar os processos na Justiça do Trabalho e no INSS. Por isso, em 2012 lançou o livro Professor no Limite, lançado também na Europa (2014). “Estabelecer a relação doença-trabalho é muito importante para a concretização dos direitos concedidos a quem sofre de burnout”, afirma a mestra em Relações do Trabalho. Para ela, no caso dos docentes, os profissionais mais dedicados são os que mais sofrem com o problema.
Com a publicação, Deise espera ajudar muitos profissionais que estão hoje afastados, incapacitados ou aposentados por invalidez devido à síndrome. “Muitos pedem demissão, por medo e desinformação, sem saber que têm direitos trabalhistas e previdenciários. Sair do emprego e não buscar ajuda, além de desamparar o profissional, gera subnotificações da doença no INSS e Justiça do Trabalho”, observa. Como consequência, menos casos atendidos, mais desinformação, menos amparo da sociedade e menos direitos reconhecidos.
Fonte Revista Afrodite 79